24 de abril de 2015

UMA QUESTÃO DE... VIDA

Quem salva uma vida salva um mundo inteiro, diz o Talmude. 

Se pensarmos na frase, o que vamos concluir é que neste nosso mundo vivem vários outros mundos, ou seja cada um de nós é um mundo. E em cada um de nós vivem mundos, pessoas, paixões, amores, desejos, sonhos, fantasias, anseios, inquietações, medos e fantasmas. Em cada um de nós há sementes para mais vidas, e há oportunidades para sermos significativos nas vidas dos outros.

Agora põe-se a questão: será que somos? O que fazemos com a nossa vida para ajudar outras vidas?

Os religiosos dizem que deus criou tudo e entregou na mão de Adão para gerir, colocando o homem no centro do universo. O sol, o céu, a lua, as estrelas, os mares, a chuva, as árvores, os animais, os peixes, enfim, tudo o que está na terra e fora dela foi criado para o nosso deleite. Tudo na terra, mas tudo mesmo... bem, talvez não a melga e o vírus da SIDA.

Os evolucionistas, por seu turno, dizem que fomos mais hábeis e inteligentes que os outros animais, que desenvolvemos a linguagem e a comunicação de uma maneira mais complexa e completa, e que foi isso que ganhámos vantagem e que aprendemos a pensar e tornamo-nos melhor adaptados, e, portanto, merecemos gerir a Terra.

Pode-se ver que independentemente da abordagem que fizermos, seja religiosa, seja científica, a conclusão é a mesma: somos os gestores do planeta.

Isto, meus caros, demonstra apenas uma coisa: somos arrogantes até não mais poder. Achamo-nos no direito de manipular, conduzir, catalogar e definir a natureza, porque temos o poder para isso. Afinal ela não nos pertence?

E assim, para acrescentar mais questões àquelas que já tinha feito, faço outra: o que é para nós a vida?

Acho que pouca gente já pensou sobre o que significa a vida. Sim, eu sei que toda a gente pensa sobre a vida, a sua, simplesmente... outros até procuram descobrir qual é o sentido da vida. No entanto, muito pouca gente pensa sobre o que é a vida no geral.

Todo o mundo está de acordo a vida é muito valiosa, talvez seja mesmo o que que temos de mais valor. E todo o mundo concorda que se algo pode morrer significa que tem vida. Mas se há essa concordância sobre o valor da vida, porque então se mata indiscriminadamente? Não estou sequer a falar das vidas humanas tiradas em nome do petróleo, dos dólares ou da religião, nem das florestas que destruímos em nome do consumismo, mas das outras vidas que desvalorizamos: a vida dos animais.

Por que é que a vida dos animais não é valorizada?

A religião, inclusive o próprio Talmude, já se viu a braços com esse problema e encontrou a resposta para continuarmos com a nossa crueldade sem nenhuma crise de consciência. A religião disse: os animais não têm alma, só os humanos têm, por isso a vida deles não é comparável à nossa. Sim, resposta simples e prática. No entanto, a religião depois nos diz que a nossa alma irá para o paraíso e ali brincaremos com os leões que estarão a brincar com os cabritos, tudo isso na santa paz de deus. E aqui complica-se tudo, afinal os animais têm alma ou não? Como é que vão parar então ao paraíso?

Mas como não vou aqui discutir a religião, vou falar da abordagem científica.

A ciência diz-nos que a vida dos animais não tem o mesmo valor que a vida humana, porque, meus caros, nós… somos… o topo da cadeia alimentar. Fantástico! Nós pensamos, decidimos, criámos, inventámos, cultivamos... e eles não. Somos os chefes, somos os Passos Coelho e companhia, os restantes são meros funcionários, são simplesmente o povo, nada mais que votos e estatística, vamos, portanto, monopolizar os privilégios para nós e abusar da nossa posição. Só nós importamos, os animais não importam. E como pensamos e somos mais evoluídos cerebralmente, estamos então no direito de os comer. 

A ciência aceita isso tranquilamente, ao mesmo tempo que critica os religiosos que acreditam num deus ultra-mega-superior aos humanos, por não entenderem a lógica ou a moral desse deus (ponhamo-nos no lugar de animais e ponhamos deus no nosso lugar e vamos ver que fazemos tanto sentido quanto deus). Aliás, na mesma perspectiva, se uns extraterrestes muito mais avançados do que nós chegarem à Terra estarão no direito de nos usar para refeição e de nos abrir em laboratórios, usarem-nos em jaulas e brincarem com a nossa vida. Na verdade, nem precisamos de extraterrentes, se esticarmos este pragmatismo científico, vamos perceber que mesmo a vida humana não tem o mesmo valor. Foi o pragmatismo científico que inventou a teoria da raça no Séc. 18, para favorecer os europeus (brancos, entenda-se), dizendo que eram superiores e podiam escravizar todos os outros povos diferentes, e assim abusaram dos africanos, dos índios, dos chineses, dos indianos e de tudo o que tinha uma cor diferente. A ciência criava e ainda cria vários artifícios para desvalorizar a vida. 

A ciência não diminui o nosso valor, humanos, apesar de ridicularizar a religião, os físicos quânticos até afirmam que uma simples decisão nossa entre uma camisa e outra cria um universo pararelo, ou seja, nós somos criadores, mesmo que inconsciente, de universos. Deuses! Uau!

Hoje, a ciência diz que os animais são inteligentes, têm linguagem, aprendem parte da nossa linguagem, outras espécies como os gorilas ou os cães até compreendem melhor a nossa linguagem corporal do que nós mesmos, os gibões têm linguagem articulada, etecétera e tal, mas mesmo assim a vida destes animais continuam a não ter a mesma importância que a nossa, porque nós estamos no topo da cadeia alimentar, somos o topo da cadeia alimentar. E por que não estaríamos? Afinal fomos nos que criamos essa teoria. Pusemo-nos lá em cima quando devíamos colocar lá os pequenos vírus que anualmente dizimam milhões de vidas humanas.

Esta nossa arrogância permite-nos fazer mal aos animais e permite-nos dizer que a vida dos animais não importa ou porque estamos no topo da cadeia ou porque deus os criou para o nosso deleite. Por isso, fazemos touradas, e fazemos touradas porque amamos o touro, afinal se não fosse por nós o touro nunca teria chegado a visitar a cidade e teria vivido toda a sua vida em total ignorância. E se não fosse por nós, a espécie dos touros usada nas touradas já estaria extinta.

Somos tão arrogantes que, ao contrário dos bosquímanos, a tribo africana do Kalari, ou algumas tribos índias da amazonas, matamos indiferentemente os animais e matamos grande quantidade de animais, para depois deitar a carne fora, em nome de lucro. Estes povos que mencionei quando vão caçar têm o trabalho de explicar ao animal que precisam da sua carne para sobreviver (é certo que o animal prefereria continuar vivo e que eles se lixassem, mas... ok...) e nunca matam mais do que necessitam, porque, para eles, toda a vida tem valor… bem, talvez não a dos mosquitos.

E falando em mosquitos, o que será que determina o valor que damos a vida? Será a proximidade doméstica: a vida de um cão é mais valiosa que a de uma cabra? Ou será o tamanho do animal: a vida de uma baleia é mais valiosa que a de um rouxinol? Será a beleza que atribuímos ao animal: a vida do coelho é mais valiosa que a do crocodilo? Ou será que os animais que não comemos, pelo menos na nossa cultura, como o gato ou o cão terão a vida mais valiosa que o porco ou a vaca? Já vi, e inclusive, já participei em marchas a favor de cães e gatos, e depois fomos a um restaurante comer um grande prato de bife de vaca. Grande hipocrisia, não?

Sim, não sou nem vegano, nem vegetariano. Eu como os animais. Gostava de ser mais evoluído e poder deixar de comê-los porque a sociedade atual oferece-me muitas alternativas. No entanto, sinto-me mais evoluído do que as pessoas que vejo a deitarem fora muita comida, sem pensarem que dessa forma só estão a contribuir para a morte de mais animais. 

Não estou a dizer a ninguém para se tornar vegetariano, estou é a tentar chamar a atenção para o encorajamento que damos às indústrias da morte que só querem saber do lucro. 

Não estou a dizer a ninguém para se tornar vegetariano, estou é a tentar chamar a atenção para o encorajamento que damos às indústrias da morte que só querem saber do lucro. Trabalhei num supermercado por um ano e era grande a quantidade de carne deitada fora. Um cunhado que trabalhava numa distribuidora de carne disse-me que a carne era muitas vezes reciclada, lavada e etiquetada de novo para levar mais tempo.



Bem, quero voltar às questões que lá em cima coloquei, como já devem ter visto, não tenho resposta para elas. Porém isso não quer dizer que por falta de respostas elas não devam ser feitas. O que eu sei é que desvalorizamos a vida, somos cruéis com os animais e destruímos a natureza, simplesmente porque podemos e simplesmente porque ou não pensamos nas consequências ou não queremos sair da nossa zona de conforto para pensarmos nelas.

E assim, fecho esta exposição com a frase com que comecei: O Talmude diz: quem salva uma vida, salva um mundo inteiro. No entanto, gostaria que fizéssemos todos a nós mesmos esta questão: o que é uma vida? 
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