21 de agosto de 2012

MEU NOME É KHAN, 2010 (My Name is Khan)


Meu nome é Khan e eu não um terrorista.

Eu sou tão emotivo que as lágrimas e os meus olhos andam sempre de mãos dadas, e como a especialidade do cinema indiano, pelo menos nos tempos em que eu era grande consumidor dos seus filmes (qual praticamente 98% dos guineenses), é apelar a emoções fáceis e enternecer para fazer chorar, não foi assim tão difícil verter lágrimas por causa do filme. 

Não tenho visto muito cinema indiano ultimamente, mas no Meu Nome é Khan (Khan, do epiglote) percebe-se bem a gramática de Bollywood impregnada. E não estou a falar mal, é um cinema diferente (embora cada vez mais americanizado), colorido e vivo, quando o argumento não peca, é claro. Mas, basta disso… vou falar do filme.

Eis a sinopse: Khan é um muçulmano indiano que vive nos EUA pós-11-de-Setembro, ele é íntegro, trabalhador, boa pessoa, porém, o ódio e a discriminação orientados para os muçulmanos a partir de então complica-lhe a vida. E para piorar a situação, ele sofre de síndrome de asperger (outro filme que retrata bem esse problema é Mary e Max). Por causa de uma interpretação literal, próprio dos aspies, porque eles não conseguem entender a ironia ou o sarcasmo (ah… procurem sobre o assunto), Khan vê-se com a tarefa de encontrar o presidente da américa, Bush, para lhe dizer que não é terrorista.

trailer

A abertura do filme mostra já a preocupante situação dos muçulmanos e comunidades árabes nos EUA, e de como a liberdade deles está muito condicionada e como a paranóia em relação a todos os muçulmanos serem potenciais terroristas está implantada na população americana… americana? Na população global. Eu sei que existem ayatollahs que publicitam o ódio e prometem virgens a suicidas em nome da fé… sim, existem… até no próprio filme aparece alguém assim, entretanto acreditar que qualquer um que diga Alá em vez de Deus é terrorista é preconceituosamente discriminatória.

O filme tenta lidar com vários problemas, o dos aspies, o da discriminação aos muçulmanos na América e o do conflito muçulmano-hindu, e Kahn acaba por ser a pessoa a estabelecer a ponte entre todos esses problemas, sendo o neutro da questão, porque para ele só existem dois tipos de pessoas: as boas que fazem coisas boas e as más que fazem coisas más, e o resto: a cor, o credo, a nacionalidade é mais secundária… e isso tentou-se mostrar através duma comunidade preta de sul da qual ficou amigo.

Meu Nome é Kahn é um bom filme, mas longe de ser perfeito, porque a certa altura tornou-se todo fabuloso, plástico e irreal, e não consegue esconder o molde, e por tentar tratar de muitos problemas ao mesmo tempo por vezes parece que perde o foco. No entanto, a grosso modo vale a pena ser visto. Boa banda sonora, bons momentos de humor, apelo às lagrimas, boa representação por parte dos actores principais, uma direcção sólida que beira à teatral algumas vezes (só para constar), e uma fotografia bonita que aproveita para fazer da cidade outro personagem. Altamente recomendável, senão pela história em si, pelo menos pelas preocupações que ressalva.

13 de agosto de 2012

ERÓTICO OU PORNOGRÁFICO - no plano musical


Nos artigos anteriores em que falei sobre o erótico ou pornográfico, referi-me ao plano cinematográfico e ao plano literário, desta vez pretendo falar dos dois no plano musical. E, vou evitar falar dos vídeos, porque embora sejam complementos da música actualmente entram mais no plano visual, e por não serem cinema, talvez venham a ganhar um artigo independente. Posto isto, avanço:

Eu gostava de Roberta Miranda, acho que ainda gosto, embora já faz um bom tempo que não a escuto. Ela tinha esta música, Atração Fatal, que me custava um tanto cantar em voz alta, por causa das imagens que evoca na refrão que dizia: tou querendo tudo em mim, te sentir bem animal, ai ai ai ai ai… É que eu era muito católico e lá em casa não podíamos usar a palavra S… ok!, sexo, já disse. Para o meu pai dizer sexo implicava vontade de o fazer ou algo assim no género e portanto era palavra proibida… mas qual quê, contávamos entre nós muitas histórias que envolviam sexo, o famoso peixinho, peixinho, na praia de bambadinca e anedotas de traição… enfim.

Essa introdução é só para reforçar o que todo o mundo já sabe: o sexo faz parte da nossa vida, mercantilizada, moralizada, religionizada, poetizada, e de diferentes outras formas. Ao mesmo tempo que a moral estipula o sexo “correcto”, ele nos é apresentado como necessário e fundamental à nossa saúde, e inevitável, sob a tutela da mesma unidade vigilante e moralizadora. Um moralismo hipócrita.

É certo que o tanto o erótico como o pornográfico têm a mesma função: mexer-nos com a libido e excitar os sentidos; e sendo assim muito dificilmente se considera a música como erótico ou pornográfico, todavia, se ficarmos atentos ao seu teor e à sua imagem facilmente vemos isso nelas.

Por exemplo, as músicas de Quim Barreiros ou da Rosinha apesar de virem carregados de um duplo sentido e implicitamente sexuais, dificilmente se podem considerar pornográficas ou eróticas, no entanto, algumas músicas metidas a românticas acabam por não falar dos ditos nobres sentimentos mas de folguedos sexuais, perdendo-se entre o erótico e o porno. Entretanto, considerando que o pornográfico é mais explícito que o romântico, podemos encontrar mesmo na música essa diferença.

Não sei bem em quê se enquadraria a Ai, se eu te pego de Michael Telô, se para mim é pornográfica, considerando as palavras que usa e a insinuação aberta, para alguns não passa de um monte de palavras, entretanto, alguém acredita que essa música seria famosa se não fosse pelo seu tom sexual? Pode-se argumentar que há músicas mais explícitas e sexuais e melhor cantadas e tocadas do que essa do Michael mas não são famosas, para dizer que não foi o componente sexual que lhe deu a fama, mas a verdade é que a dissimulação existente na Ai, se eu te pego faz todo o seu trunfo, como disse uma amiga fã da música: ela não diz nada, mas diz tudo.

Do Brasil temos músicas abertamente pornográficas chamadas de funk, todas dizendo a mesma coisa, e se ouvires cem delas acredito que terás aprendido metade da kamasutra. Mas não é apenas do Brasil que temos músicas dessas, vêm de toda a parte do mundo. Vou citar um exemplo português, feito pelo rapper Valete, com a sua Roleta Russa, onde faz um bem descritivo episódio sexual, para no fim fingir que a ideia por trás de tudo é avisar sobre a necessidade do uso do preservativo… nada a ver uma coisa com a outra, porque quando fazemos um aviso, ilustramos com consequência, e a música era inconsequente. De igual modo temos o rapper Azagaia que fez o mesmo (não me lembro do título) e com melhores resultados, depois de uma extenuante descrição sexual, no fim choca-nos com a ideia de que está a falar da exploração sexual infantil, consegue ser melhor que o primeiro, mas se realmente pretendesse passar uma mensagem não limitaria o público sendo pornográfico. Xeg, por exemplo, com a sua Vaca de Merda, não é nem erótico, nem pornográfico, mas simplesmente ordinário, usando palavras de um adolescente despeitado para fazer toda uma música. Enfim...

Como disse antes, somos invadidos pelo erótico e pelo pornográfico de tal maneira que não sabemos separar as duas coisas, e todos os nossos sentidos são bombardeados por eles, ou melhor, pelo sexo. Quando vemos axe na televisão a prometer sexo fácil, ou vemos uma publicidade de um carro que nos promete mulheres se comprarmos o modelo, e no dia seguinte sentir-mos o cheiro de axe ou vermos a imagem do carro, não conseguimos evitar a sexualização do produto e acordar em nós imagens eróticas. A música faz a mesma coisa connosco e de uma maneira mais substancial.

No entanto, o que me admira acima de tudo é as pessoas continuarem a fazer-se de admiradas e a fingirem não entender a razão das criança serem cada vez mais sexualmente precoces.

3 de agosto de 2012

OLMSTED E A ARQUITECTURA PAISAGÍSTICA


Nota introdutória

O presente texto vai ser focado no conceito da cidade do teórico urbano Frederick Law Olmsted. Pretende-se explorar esse conceito para comparar com os padrões actuais da concepção da cidade e ver até que ponto a sua influência se estende, ou se não teve influência nenhuma.


Breve biografia


Frederick Law Olmsted (1822-1903), considerado o pai da arquitectura paisagística norte-americana[1], foi um teórico urbano muito importante, senão um dos mais influentes, nos finais do Séc. XIX e início do Séc. XX. Desenhou Central Park de Nova Iorque, Prospect Park de Brooklyn, South Park de Chicago, entre outros, analisou projectos chaves iniciados em 250 áreas urbanas dos EUA e elaborou estratégias e programas que foram bem sucedidos e outros também que falharam[2]. O seu livro Civilizing American Cities: Writings on City Landscapes, explica o conceito urbano por ele defendido.
Olmsted foi uma personagem deveras interessante, foi marinheiro, comerciante e jornalista, e teve uma brilhante carreira nesta última profissão.
Em 1850 viajou para a Inglaterra para visitar jardins públicos onde foi profundamente impressionado pelo parque Joseph Paxton Birkenhead; viagem que posteriormente, em 1852, relatou no seu livro Walks and Talks of an American Farmer in England.
O seu amigo e mentor Andrew Jackson Downing, arquitecto paisagista, foi quem primeiro propôs uma reforma do Central park de Nova Iorque; foi através deste que conheceu o arquitecto Calvert Vaux. Após a trágica morte de Downing, em 1858, Olmsted, em equipa com Vaux, resolveu participar no concurso público para Central Park com um projecto em honra do amigo morto e ganhou o concurso[3]

A concepção do Central Park norteava-se em torno da ideia de igualdade social. Para Olmsted defendia que o espaço verde comum deve ser acessível a todos os cidadãos, independentemente da classe. Esta ideia que agora um dado adquirido e inerente ao conceito de parque público, não o era nessa altura. Era uma ideia à parte e revolucionária, de ordem tal que o mandato de Olmsted como comissário do parque se transformou numa longa luta para a preservar.

Em 1885, Olmsted criou, em parceria com os filhos, o que foi considerado a primeira firma de arquitectura paisagista a tempo inteiro.

Em 1895, com 65 anos, forçado a abandonar o negócio por senilidade, deixou os seus filhos a continuar o seu legado. Morre em 1903, deixando um importante trabalho sobre arquitectura paisagista[4]


Arquitectura paisagista

A história da arquitectura confunde-se durante um certo período com a história de jardinagem, todavia diferem. Ambas as artes estão preocupadas com a composição da plantação, o terreno, água, pavimentação e outras estruturas, mas, o design de jardins é orientado para espaços privados e vedados, enquanto que a o design da paisagem reflecte-se tanto em espaços fechados como espaços abertos (praças, parques e vias verdes). A arquitectura paisagista entretanto, não é uma arte recente, pois remonta ao tratamento de espaços exteriores ancestrais por sucessivas culturas antigas, da Pérsia e Egipto à Grécia e Roma. Durante o Renascimento, este interesse pelo espaço exterior, que havia diminuído durante a Idade Média, foi revivido com esplêndidos resultados na Itália e deu origem às vivendas ornamentadas, jardins, e grandes praças exteriores.

No Séc. XVIII, a Inglaterra tornou-se o foco de um novo estilo de desenho paisagem; muitos dos parques desenhados nessa altura ainda perduram hoje. 

O termo arquitectura paisagista foi pela primeira vez utilizado por Gilbert Laing Meason no título do seu livro sobre a Arquitectura Paisagística dos Grandes Pintores da Itália. Era sobre o tipo de arquitectura paisagística encontrado em pinturas. O termo foi, no entanto, no Séc. XIX, retomado à luz de um novo conceito por J.C. Loudon e A.J. Downing.

Através do Séx. XIX, o planeamento urbano tornou-se mais importante, e era uma combinação de planeamento moderno com a tradição de jardinagem e tornou-se o foco da arquitectura paisagista. Foi na segunda metade do século XIX que apareceu Olmsted, com as suas teorias e sobre a arquitectura paisagista e desenhos de parques que ainda continuam a influenciar esta arte[5].

O parque surge como facto urbano relevante e tem seu pleno desenvolvimento, com ênfase maior na reformulação de Haussmann em Paris, e o Park Movement liderado por Frederick Law Olmsted e seus trabalhos em New York, Chicago e Boston.



Park Movement e Olmsted

Tal como o nome indica foi um movimento que revolucionou a forma da concepção da paisagem urbana, nomeadamente, na concepção de espaços verdes, por outras palavras, na criação de pulmões para a cidade, criando parques.

Para Olmsted, parque é um lugar com amplitude e espaço suficientes e com todas as qualidades necessárias que justifiquem a aplicação a eles daquilo que pode ser encontrado na palavra cenário ou na palavra paisagem, no seu sentido mais antigo e radical, naquilo que os aproxima muito de cenário. Ou seja, parque tem que ser um lugar artístico com uma identidade própria e adequado ao uso (recreação, espraiamento e embelezamento da paisagem).

Olmsted defendia a utilização económica dos espaços livres, criando oportunidades de recreação e também de preservar os recursos naturais, controlo de enchentes, proteger os mananciais, entre outras coisas, para obter espaços agradáveis para passear e morar. Esses trabalhos, além de inspirar a criação de inúmeros parques, mudaram o conceito de qualidade ambiental urbana. Segundo ele, o movimento se resumiria em alguns objectivos operativos, entre eles: a dimensão e forma das ruas; a dimensão, carácter dos edifícios e sua localização em relação recíproca com os espaços públicos; a disposição das zonas sem edificação; e o tratamento dessas zonas sem edificação com eventual presença de ruas, com distribuição dos objectos emergentes sobre elas, com árvores, postes, valetas, etc[6]

A constituição dos parques era a primeira escala de uma intervenção mais complexa de planificação física e social. Olmsted considera os parques como demonstração da saúde mental do povo e instrumento de luta contra a congestão e instrumento de redistribuição de riqueza. Acreditava ainda que o parque era o símbolo de uma nova vida comunitária e emergiria como lugar de alegria, onde fosse possível cultivar todas as actividades espirituais impedidas na cidade. 

Para Olmsted, o parque substituía o edifício religioso que havia simbolizado o espírito unitário da comunidade primitiva. A cidade, organizando-se em torno de seus próprios espaços verdes, voltava a encontrar a unidade desfeita, reconstruindo um símbolo laico da comunidade perdida. Além disso, para Olmsted, o parque traduzia-se em justiça social e participação democrática: as classes inferiores não estavam mais segregadas na cidade, podendo gozar da natureza igualitariamente acessível, ou seja, o parque era um instrumento de nivelamento social e de educação do povo para a responsabilidade colectiva do bem-estar. 


Nota conclusiva

Através destes conceitos um tanto utópicos defendido por Olmsted, superou-se o modelo de parque anterior, idealizado em bairros burgueses e para exibição social, migrou-se para concepção de espaços verdes destinados a uso colectivo, procurando recriar as condições naturais que a vida urbana insiste em negar, local de sociabilidade onde o povo encontre suas origens, no contacto físico e activo com a natureza. 

Começa-se assim a criar lugares de socialização para jogos e ginástica, como o Volkspark, na Alemanha[7].




[1] http://www.soniaa.arq.prof.ufsc.br/arq5605/Arquiteturadapaisagemdefinindoaprofissao.htm
[2] http://mitpress.mit.edu/catalog/item/default.asp?ttype=2&tid=6887
[3] http://www.fredericklawolmsted.com/Lifeframe.htm
[4] http://en.wikipedia.org/wiki/Frederick_Law_Olmsted
[5] http://en.wikipedia.org/wiki/Landscape_architecture
[6] http://aprender.unb.br/mod/resource/view.php?id=26770
[7] http://aprender.unb.br/mod/resource/view.php?id=26770


P.S.: não faço ideia do que aconteceu com o resto do final do texto.