28 de fevereiro de 2012

ARTES E IMAGENS: JUAN FRANCISCO CASAS (ilustrador)


atentar à escala dos desenhos

No filme Eu, Robot de Alex Proya, tem uma cena onde um robot pega numa caneta e desenha numa folha portando-se como uma impressora. Na vida real, Juan Francisco Casas, artista espanhol, com uma caneta porta-se como uma impressora, não no sentido linear de um processo de impressão computarizada, mas no resultado fotográfico dos seus desenhos, muito virtuosos, realistas e detalhados.

Com caneta BiC™ (ou esferográfica, para os mais puristas), Juan Francisco Canas emula uma maquina fotográfica registando momento em enormes telas.
Até descobrir Juan Francisco Canas, o meu artista favorito era o ultra-realista iraniano Iman Maleki, entretanto porque a técnica daquele me parece mais acessível do que a deste, transferir a preferência foi bastante fácil.

Todas as imagens que se seguem foram retiradas do site oficial do artista, onde há inúmeras outras.






Percebe-se como as texturas das desenhos são diferentes, os traços do "pincel" (permitam-me o termo), mais perceptível em alguns do que nos outros. Uma das maiores dificuldades deste processo, no meu entender, é atribuir as diferentes tonalidades ao desenho usando apenas um único material e de difícil controlo, como uma caneta.


 

 


Não sei as técnicas de representação, não sei se o autor conserva primeiro o momento numa fotografia para depois o reproduzir, ou se imagina os seus temas (o que não me parece verdade), mas a verdade é que o resultado final é para além do impressionante.

Juan Francisco Casas não ilustra apenas com a caneta, como também faz pinturas (também realista), que podem ser vistas no seu site, mas que eu não quero mostrar aqui, considerando que a sua técnica de caneta é que me fez olhar para ele.


21 de fevereiro de 2012

REGRESSO DE JOHNNY ENGLISH, O, 2011 (Johnny English Reborn)


Sinceramente não me lembro da última vez que me ri tanto com um filme como com este O Regresso de Johnny English. Não sei se foi tudo mérito do filme ou se foi uma predisposição criada pela minha companhia. No entanto, pela minha avaliação, a primeira hora do filme pode ser dividida em um riso por cada cinco minutos e uma gargalhada por cada (mais ou menos) oito, considerando que algumas piadas não são plásticas, mas rebuscadas.

Não haja dúvidas que Johnny English se vale de Atkinson e do seu humor físico, e apesar da previsibilidade do filme, não deixam de ser engraçadas as situações. No entanto a última parte do filme foi bastante morna. E uma das coisas que saltam mais à vista aqui é que Johnny está mais Johnny English e menos Mr. Bean. No entanto, ainda não se distância tanto para evitar comparações com o Inspector Jacques Closeau, embora já manifeste mais identidade.

Ri-me tanto que fiquei com dores na barriga, e quando me falam de filmes de comédia é disso que quero saber. O argumento não é complexo, é ultra-linear que nem chega a existir, pois pensaram primeiro nas cenas cómicas e depois colaram-nas com pastilha elástica para parecer concatenado, de tal maneira que ficou buracos e situações sem sentidos, mas… eu quero lá saber disso, que importa aqui o argumento?, tudo o que quis foi rir-me e ri-me.

trailer

O que destaco no filme é a presença de Daniel Kaluya, que tenho visto em séries inglesas e aprecio o trabalho e espero que tenha bastante mais sorte no grande ecrã, principalmente porque se ele não se eclipsa nas cenas com Atkinson só quer dizer uma coisa: é mesmo bom.

E também destaco uma das perseguições de automóvel mais patética que já vi em cinema, ou devia dizer de cadeira de rodas?

Johnny English é uma comédia e pêras, podes ver sem pensar duas vezes e sem pensar enquanto vês.

15 de fevereiro de 2012

PSYCH, S06E07 – In for a Penny (review)

Então Shawn disse: Não podia ter conseguido sem ti, Frank! Aquela palmadinha no rabo era o que precisava para descobrir isso.

Bom, desta foi a vez de Juliet (Maggie Lawson) ganhar destaque, e foi-nos contado mais um bocado da sua vida. Já sabíamos que ela é irmã de John Cena, e que este é militar (quando não está nos ringues, provavelmente), demonstrando que a sua família tem uma queda pela “Lei”. Mas agora conhecemos o seu pai, Frank (William Shatner), e passamos a saber que afinal a “Lei” não faz realmente parte da genética da família.

O caso deste episódio foi sobre um roubo, mas não acho que o caso realmente interesse, porque só serviu de desculpa para a história de Juliet e para a interacção entre os personagens, o que se percebe na maneira “fácil” como foi resolvido.

O episódio acabou e eu fiquei em dúvida, será que o pai da Juliet sabe que Shawn (James Roday) é um fraude? Porque, como se costuma dizer: um trapaceiro conhece outro, e embora Shawn pareça ter acertado em todas as suas previsões sobre este, no caso da viagem, o seu acertar não foi mais nada do que ler pistas aleatórias que tanto podiam ser verdadeiras como não.

Gus (Dulé Hill) parece estar perto de encontrar o amor da sua vida, parece que não querem fazer dele o tio solteiro e esquisito, porque têm-no mostrado a cair por qualquer cara bonita que lhe aparece à frente, e as suas escolhas não parecem de forma nenhuma saudável. Já se apaixonou por uma criminosa, depois por uma louca, agora falam do seu desespero em estar solteiro… acho que foi bem trabalhado essa faceta, porque se antes tinha o seu Shawn só para si, e não lhe parecia que precisava de um contraponto feminino, agora que anda sempre com o casal Juliet-Shawn, é natural que essa necessidade comece a aparecer ou a agravar.

Não tivemos muito de Lassiter (Timothy Omundson), só serviu para umas piadas, e Henry (Corbin Bernsen) conseguiu estar mais sumido ainda que Karen (Kirsten Nelson), pois embora tivesse tido mais tempo de antena, teve menos fala que esta. Aliás, deviam destacar os dois mais um bocado, principalmente Karen, e não fazê-la apenas aparecer para debitar umas duas frases e depois sumir, porque do jeito como as coisas estão para ela já nem parece que faz parte do elenco fixo.

Não é um grande episódio a “Psych”, em termo cómicos, é claro, mas por contar mais sobre a Juliet, acho que pode-se considerar um episódio perto do memorável. De qualquer maneira, percebemos por que razão Frank era um pai ausente, com tantas missões no Enterprise como Capitão Kirk, é claro que não teria tempo para visitar a filha… e Juliet tem uma família deveras interessante (tanto para os nerds como para os pouco-cérebros, leia-se consumidores da wrestling – provocativo, hein?).

Além de mais, vai mais um vislumbre sobre como Shawn precisa de Gus e que este não é apenas um elemento semi-inútil.

Shawn: Atrás de todo grande homem há uma grande mulher. E neste caso, aquela mulher é uma inteligente, sofisticada, e um cabeçudo garanhão chamado Burton, e ela é preta, e ela sabe dançar. Preciso de ti nisto, amigo, porque grandes mudanças são traiçoeiras para mim, e isto está a ficar sério [a sua relação com Juliet], vamulá… Foghorn precisa de Leghorn.
Gus: Eles são o mesmo galo, Shawn.
Shawn: Exactamente.
Gus: Fixe.

13 de fevereiro de 2012

BUNRAKU, 2010 (Bunraku)


Foi o nome Woody Harrelson que me fez querer ver Bunraku, porque me parecia uma produção japonesa, e de Japão eu adoro são os desenhos, pois depois de alguns fracassos chamado cinema que vi deles nos últimos meses, agora tento fugir de quase tudo que tenha estas duas palavras juntas: cinema, japonês. Depois vi que Ron Perlman também vinha no pacote e pensei: pode ter aí coisa boa!, embora o último filme que vi com Ron Perlman, Conan, tenha sido uma decepção. E Demi Moore a tentar respirar de novo realmente não me atrai muito, e, chamem-me de machista, mas vejo filmes de pancadaria por aqueles que distibuem a pancada e não pela fêmea frágil a precisar de ser resgatada.

Bunraku é um filme cheio de estilo, muita pausa, muito pop, muito campy, mas sem conteúdo. É um Scott Pilgrim de segunda qualidade, mas com um estilo rivalizável; segunda categoria porque quis levar-se a si mesmo a sério, mostrar que podia ensinar algo no meio de todo aquele fogo-de-artifício, e acabou por ser mais supérfluo que o próprio fogo-de-artifício. Quis apresentar lições de moral, metidas com frases pseudo-filosóficas mal escondidas pelo retalho que chama de argumento e sujou-se todo.

As história é sobre um cowboy e um samurai, a cheirar a anti-hérois, que vão parar a uma cidade onde têm de ser os bons e unir-se para exterminar a maldade e purificar a cidade, qualquer coisa como The Warrior's Way (que por acaso foi estreado quatro dias depois de Bunraku).

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No entanto, como disse antes, Bunraku tem uma trama fraca e linear, mas é muito estiloso, e vale por este último. O genérico, o prólogo do filme foi estupendo, a mistura do cenários maquetizados, desenhados à mão, gerados por CGI, cheirando por vezes a animé, a fotografia, a luz, a transição das cenas, ângulos de câmaras ousados (e mesmo os batidos), são os pontos fortes do filme. A edição das cenas de luta não é lá das boas, como a maior parte de filmes de acção hollywodianos, onde a câmara move mais do que as pessoas, ficamos por vezes sem saber o que estamos a ver, no entanto consegue ser bastante sólida em algumas sequências, e a edição de som também em cenas de luta é bastante confusa, por exemplo, há vezes em que vemos um pessoa a levar com pau e o som que ouvimos é de dois paus ocos a baterem um no outro, ou por vezes soa a choque metálico, acaba-se por não se saber se foi intencional ou simplesmente erro (embora duvide desta segunda hipótese); entretanto, para compensar temos sequências que parecem jogos de computador (que lembram o Super Mário a apanhar moedas, pelo menos na parte sonora) e são umas das melhores do filme. Não é nada de novo, aliás “Simpsons did it”, mas tem a sua independência e originalidade.

Tem uma cena onde dois gajos dançam valsa enquanto lutam que é simplesmente soberba. A experimentação narrativa, ou o modo de conduzir a história, como diz a voz em off, faz a graça de Bunraku. Mas no final pergunta-se: o que é Bunraku? Que me diverti a vê-lo, sem sombras de dúvida; que me lembro dele, não muito bem, só sei que é cheio de pinta e vale por isso… e guardei uma frase: há sempre alguém que pode vencer-te! Atenta-te Scott Pilgrim.

12 de fevereiro de 2012

SE NÃO ÉS LINDA... QUEM É? (sextos)

Ao perguntares-me se és linda,
Logo respondo: «Mas que pergunta!»
Será que alguma vez terá finda
A beleza que a tua face unta?»

Uma questão igual à tua
Quando queria ver se brilhava
Fazia o luzente Sol à Lua,
Panca, que o seu fulgir admirava.
Não ’stás certa da tua lindeza
Ou queres a minha voz, princesa?

Se és bela?, perguntaste, Melaço;
Se tu não fores quem é então?
Tu és aquele excelso chavão
Onde a beleza copia o traço.

O teu sorriso, ó minha rica,
É a estrela que eu adoro ver,
Que tão maravilhoso te fica
Nessa linda face de prazer,
Que o meu olhar venturoso debica
Sempre esfaimado de te envolver.

Doce, nem sabes como é doce,
Embebedar-me na tua cara.
Apreciar-te é como se fosse
Beber a vida que nunca pára.

Mesmo a chorar, meu amor, és bela,
E rindo és a mais fulgente estrela;
Mesmo que o teu sorriso desabe
A tua face sempre linda é.
Que és linda crê que até sabe
O pobre cego que nada vê.

11 de fevereiro de 2012

E QUIS SER MENINO (soneto)

Pregado na vida, chorando a prisão,
Largando a esperança do viver,
Co’a força da alma querendo morrer,
O homem causa a si mesmo admiração.

Da vida o folgo do seu coração
Apaga-se sem no entanto querer,
Na incerteza então busca se perder,
Querendo da graça a contemplação.

Enfastiado de viver cansado,
Afastando-se do existir mofino,
Quer a todo custo mudar o fado

Para escapar-se do cruel destino.
Coo alento do viver desmoronado,
De novo o homem quer ser menino.

10 de fevereiro de 2012

COMENTÁRIO SOBRE O TEXTO ESPAÇO-LIXO DE REM KOOLHAS

O presente trabalho versa sobre o texto Espaço-Lixo de Rem Koolhaas, retirado do livro Três Textos sobre Cidade (Editorial Gustavo Gil, 2010, ISBN: 9788425223716), constituindo uma análise crítica do referido texto.

No entanto, considerando a extensão do referido texto e os múltiplos assuntos focados, ligados por um fio de raciocínio que lhes dá coesão, torna-se um tanto difícil em apenas três páginas falar do texto, seja para mostrar os seus pontos chaves, seja para o refutar. E por ter lido A Cidade Genérica, outro texto constante no livro, não consigo evitar de fazer paralelismo entre os dois, tornando assim mais complicada a tarefa de fazer uma análise crítica, sendo essa a razão por que preferi fazer este comentário crítico através deste óculo: o que pretende Rem Koolhas com o “Espaço-Lixo”?

Neste vídeo da Dutch Profile, numa entrevista a Rem Koolhaas, ele diz: Não penso que se pode fazer uma arquitectura crítica porque a arquitectura sempre suporta o impulso de alguém. E por outro lado eu penso que a nossa arquitectura [da OMA] é completamente crítica, porque todos os assuntos, todas as questões, todas as ambições são analisadas e colocadas sobre a mesa do trabalho para vermos como podemos projectá-los de uma maneira nova ou como poderemos criar uma nova relação ou como poderemos organizar esses ingredientes de tal forma que ganhem diferentes valores. E tentamos fazer isso com tudo. E no Espaço-Lixo o mesmo diz, da arquitectura contemporânea: Em vez de desenho há cálculos (...). [pág. 87]


Então se Koolhaas afirma que costumam, na OMA, calcular a arquitectura para ficar crítica e não ser apenas fruto de um impulso apesar de apontar o cálculo como um dos geradores do espaço-lixo, põe-se duas questões: i.) será que ele está a desconstruir a arquitectura contemporânea como uma forma de conhecer os sintomas e patologias para depois apresentar alternativas (o que não chegou a fazer, e talvez o venha a fazer nos próximos livros)? ou ii.) só está a reportar sobre o estado actual da arquitectura, considerando que os seus métodos são abrangidos pela crítica negativa que faz? Não levanto uma terceira questão porque acredito que ele não se considera fora do padrão.

O Espaço-Lixo apresenta uma série de vícios da arquitectura moderna, vícios que, por mais que não queiramos, nós, estudantes de arquitectura, não conseguimos evitar de apreender, e que inevitavelmente, a não ser que ganhemos uma nova consciência arquitectónica, vamos esticar até a exaustão ou reformular para torná-los ainda pior. E acredito que o texto seja uma tentativa de despertar essa consciência.

Pessoalmente, costumo comparar a arquitectura contemporânea ao cinema contemporâneo, chamando-lhe de arquitectura de efeitos especiais, tem forma, tem estilo, mas falta-lhe o conteúdo. É certo que, tal como no cinema, existe sempre excepções, há arquitecturas que apesar dos efeitos especiais ainda apresentam algum conteúdo, embora este, por vezes se manifeste diluído no meio de tanto CGI, usando as palavras de Koolhas: os designers gráficos são os grande vira-casacas; enquanto que antes a sinalização prometia levar-nos onde queríamos ir, agora confunde-nos e enreda-nos num emaranhado de preciosismos que nos obriga a seguir por desvios não desejados, e voltar atrás quando nos perdemos. [pág. 87] Por outras palavras, concordo com o grosso do texto, não obstante as várias partes que me causam confusão por não as conseguir compreender. Pretendo citar algumas delas, mas antes penso que devo definir o espaço-lixo, conforme o autor.

O espaço-lixo (…) [é] o produto de um encontro entre a escada rolante e o ar condicionado, concebido numa incubadora de pladur (as três coisas faltam nos livros de história) [pág. 87]. O espaço-lixo é a soma total do nosso êxito actual; construímos mais do que todas as gerações anteriores juntas, mas de certo modo não nos registamos nas mesmas escalas. Nós não deixamos pirâmides. [pág.70].O espaço-lixo é pós-existencial; faz-nos não ter a certeza do lugar onde estamos, oculta para onde vamos e anula o lugar onde estávamos.[pág.90] Os interiores remetem ao mesmo tempo para a Idade da Pedra e para a Era Espacial. [pág.75]  

Fórum Sintra é um perfeito exemplo dessa arquitectura de
mixagem, todo o local parece ter sido feito por diversos
que nunca chegaram a entrar em contacto um com o outro
resultando que o espaço não apresenta uma linguagem
coerente e pareça mais uma manta de "retalhos"
Há muitas outras caracterizações que o autor atribui ao espaço-lixo, e cito apenas estes porque acredito que conseguem de uma forma ou doutra resumir o espaço-lixo numa arquitectura sem identidade, com a mania de atemporalidade, espalhando-se no tempo e no próprio espaço, através de pavimentos que são “manta de retalhos; diferentes texturas (…) alterando ao acaso” [pág.86], pois “o espaço criou-se empilhando matéria sobre matéria e unindo-as para formar um sólida totalidade nova.”[pág. 73], procurando evitar uma datação. A arquitectura contemporânea não quer ser definida por um estilo, aliás, não consegue, o que o leva a transformar-se no espaço-lixo, uma arquitectura que “aproveita qualquer invenção que permita a expansão, incorpora qualquer recurso que fomente a desorientação (os espelhos, as superfícies polidas, o eco), estende uma infra-estrutura de continuidade: escadas rolantes, elevadores, áreas cercadas, cortinas de ar quente, ar condicionado, etc. O espaço-lixo é fechado, mantém-se unido pela estrutura, ou por uma pele, como uma bolha.” [pp. 70-71] O espaço por si mesmo perde o significado e importância, concentra-se mais nos efeitos visuais, na ornamentação tanto criticada por Adolf Loos[1] século antes, e diferentemente da art-nouveau de Gaudi (por exemplo) que usava a própria arquitectura para adornar a arquitectura, o espaço-lixo ignora a arquitectura e usa apêndices para esse efeito, pois “quando pensamos no espaço, só olhamos para os seus contentores”, aliás, Bruno Zevi[2] já se referia a esse perigo, referindo-se ao espaço como o protagonista da arquitectura ao invés do seu núcleo contentor.

O espaço-lixo é, no entanto, a negação desse conceito, para o espaço-lixo, o espaço é mesmo lixo, o seu contentor, sim, esse é que tem valor, como diz o autor, “mais e mais, mais é mais, [pág.72] “O espaço-lixo é um Triângulo de Bermudas de conceitos (…) suprime as distinções, corrói a determinação e confunde a intenção com a realização; substitui a hierarquia pela acumulação, a composição pela adição.” [pág. 72] Todavia, essa afirmação de Koolhass que remete a simplicidade defendida por Mies Van Der Rohe (com o seu “menos é mais”), entra em contradição com a crítica que estendeu a este no texto Cidade Genérica (pág. 56), “Mies tomou decisão de uma vez por todas contra o interesse, a favor do aborrecimento”. Afinal, Mies tinha razão como o “menos é mais” ou não tinha?

Apesar da caracterização do espaço-lixo com a qual concordo, como já dissera algumas da afirmações de Koolhass só me levam a interrogações que, em vez de respostas, despoletam mais interrogações. Todavia, como não há espaço para apresentar todas essas interrogações, vou usar a abertura e o término do texto Cidade-Lixo, “O coelho é a nova carne de vaca… o cosmético é o novo cósmico”, para pôr a seguinte questão, se os conceitos mudaram hoje, se o capitalismo absorve até a arte e dita as regras, não deveríamos aceitar as mudanças de conceito e começar a pensar que o que definia antes a arquitectura já não o consegue fazer hoje, e que o espaço-lixo não é uma não-arquitectura, mas simplesmente a arquitectura hodierna?



[1] Adolf Loos critica a ornamentação no ensaio “Ornamento e Crime” publicado em 1908, como um desperdício de mão-de-obra.
[2] Em “Saber Ver a Arquitectura”, Bruno Zevi dizia que se os engenheiros continuarem a escrever histórias da arquitectura como se fossem histórias da construção técnica, o grande público não poderá acompanhá-los. É dessa maneira que vemos hoje a arquitectura mais concentrada na técnica de construção e de representação do que no próprio espaço contido, por exemplo, os fotógrafos e as revistas concentram-se mais no plástico do que na vivência do ambiente, não falam das sensações do espaço, apenas reportam sobre as técnicas e os materiais de construção, o lado “psicológico ou sensitivo” do espaço é totalmente ignorado. 

8 de fevereiro de 2012

OUTRA TERRA, A, 2011 (Another Earth)


Quem me lê está farto de saber que gosto de ensaios filosóficos, mas não gostei d’A Outra Terra, não por causa do tema, mas pela abordagem, porque de repente comecei a sentir-me untado com banha de cobra.

A Outra… parece-me (e é realmente) dois filmes que foram ligados violentamente por choque lateral, resultando daí que as perguntas que poderia ter levantado permaneceram no caixão estiradas. Vejam por vocês mesmos, vou fazer a sinopse:

Rhoda faz um acidente de viação que resulta na morte da mulher e do filho de um músico famoso. Quatro anos na prisão por homicídio por homicídio involuntário ela saí destruída e destituída de propósito. Então para corrigir o passado entra na vida do destruído músico sorrateiramente e acaba por criar um novo propósito para este, ganhando ela mesmo o seu.

Paralelamente, surge uma Terra para lá do Sol, igualzinha à nossa e a tentativa de contactar essa Terra demonstra que não só era uma cópia exacta da nossa, como as pessoas que lá vivem são também reproduções nossas e tiveram o mesmo percurso.

Esta parte das Terras podia criar infinitas interrogações se os argumentistas tivessem trabalhado apenas nessa premissa, porque a outra, aquela de cima, funciona bem e independente desta, mas não o fizeram. E assim A Outra não tem nada a ver com a outra Terra, e quando muito só faz umas sugestões que faz pedir por mais e, sadicamente, não no-lo dá. O filme mesmo é sobre Rhoda e sobre as perguntas que todo o mundo faz: poderia eu ter uma vida melhor que esta? No entanto prometem um espelho que nos podia mostrar essa possibilidade e logo a seguir cobrem-no com um pano e tudo o que podemos fazer é pensar: só podem estar a gozar comigo!

trailer

Não obstante, A Outra… é um filme digestível, não se se bem, não sei se mal, pois tem um ritmo calmo, quase parado, quase disperso, uma ar experimentalista, fotografia granulada que pretende parecer amadora, por vezes destoante (tem cenas em que os cortes mostram fotografias diferentes parecendo ter sido filmadas em cenários diferentes) deixando a questão se aquilo é um erro ou se tem algum propósito estético ou metafórico (como no filme Mary e Max), afinal está-se a falar de, senão duas terras, pelo menos dois estados de espírito.

E realmente não sei qual é mesmo a questão substancial do filme: se a penitência, se a ressurreição, se o poder regenerativo do amor, se “o que faria um outro eu na minha posição?”. Por isso digo, A Outra Terra é uma bela treta, uma banha de cobra, promete-nos algo, deixa-nos a babar por ele, e não tem a decência de no-lo dar, talvez por não saber como, talvez por nem estar aí para isso. 

6 de fevereiro de 2012

UMA QUESTÃO DE... RACISMO


Não sou racista. Eu vou para a cama com pretos!

Lembro-me de ter ficado bastante magoado quando uma amiga que prezo muito me disse que não se via a ter relações com pretos que não fosse mais que amizade. É claro que pensei que ela era racista, porque para mim, na altura, a maior mostra de não ser racista era talvez ter relações sexuais com alguém de outra raça (e digo já àqueles que vão retorquir que somos todos da mesma raça: pliz, não chateiem e deixem-me acabar o meu raciocínio). Eu sei que foi um pensamento estúpido tanto quanto foi estúpida a frase dela, pois quando desenvolvemos sentimentos de amizade, se forem genuínos, é claro, por alguém, isso significa que podemos desenvolver sentimentos de amor, pois se não nos restringimos a amar fraternalmente alguém de uma raça diferente, provavelmente é porque não somos racistas.

Eu vou para a cama com pretos!, não quer dizer que a pessoa não seja racista (embora não signifique que o seja), aliás, não atesta de forma nenhuma o racismo ou a sua ausência em ninguém, embora possa ser um indicador. Pode-se ir para a cama com pretos por fetiche, ou para se sentir cool e progressista, ou porque essas pessoas não passam de objectos sexuais. E pode-se não querer ir para a cama com pretos da mesma maneira que não se quer ir para a cama com gordos, musculados, magros, loiros, morenos, anorécticos, entre outros tipos físicos. Porém, quando alguém diz: loiras não fazem o meu tipo, ninguém o acusa de “tipismo”, mas quando alguém fala: pretos não fazem o meu tipo, é logo racista. Eu sei que estou a ver a coisa de uma maneira um tanto superficial, mas acho que suficientemente para mostrar o meu ponto.

Imaginemos um branco a dizer (como já ouvi algumas vezes): gosto de carne escura, brancas não me atraem!, o que concluímos: Ele é racista e não gosta da sua própria raça? Ele é racista e trata os pretos como objectos? Ele simplesmente definiu um tipo? E vamos pensar então que ele cresceu com os pretos e sempre viveu com eles?

A verdade é que nem tudo o que envolve a cor é complicado, no entanto, tudo o que envolve os pretos é. E parece que para a maioria, tal como era para mim, o não-racista é aquele que vai para a cama com a outra raça e não aquele que respeita, valoriza, amiga-se ou ama os outros, independentemente da sua raça.

E, voltando atrás, quando um preto diz: gosto mais de brancas!, ele é logo taxado de racista e de alguém com vergonha da própria raça, nem se pensa em aspectos culturais ou na simples questão de atracção pelo oposto. Não choca a ninguém ouvir as arianas, loiras platinadas e de olhos azuis nórdicas a dizerem: atraem-me mais os morenos e de olhos negros. Ninguém julga que pela abundância de “arianismo”, elas queiram algo diferente; aliás, de forma igual, ninguém se chocaria se uma delas manifestasse uma tendência exclusivamente “ariana”, certamente se diria: ah, é o tipo ao que ela está habituada!

Por essa razão não entendo por que tem de haver sempre complicação quando esta questão envolve os pretos. Quando um preto prefere brancos é racista; quando preto prefere pretos é fingido e orgulhoso; quando branco prefere pretos é fetichista.

Mas como eu disse antes ir para a cama com pretos não significa não ser racista (mas também não significa sê-lo, ou seja, como indicador para o racismo não serve de nada); há quem coma os animais, em todas as acepções da palavra, e isso não significa que não seja “especicista”, por exemplo, decerto que Monica Mattos nunca diria que respeita os cavalos como aos humanos.

Há muitos indicadores para o racismo e o factor “cama” é também um deles, mas só se, suponho eu, aliado a outros, porque só por si não é nada determinante. E olhem que para esta reflexão usei o preto como a constante e o branco como a variável, o que, não fosse o facto de eu me encontrar num país branco, poderia significar que pretendo que apenas os brancos podem ser racistas. E para esclarecer digo: o racismo não tem raça, só os homens têm. E olhem que nem comentei a frase: não sou racista, pois tenho amigos pretos!

5 de fevereiro de 2012

ACORDA ÁFRICA (poema)

O Grito da Liberdade, de Ismael Hipólito Djata
Acorda África, acorda, 
e devolve essa corda,
Não te enforques com ela,
só olha como está gorda,
Essa maldita cobra 
que se alimenta da tua obra,
Ela parece banguela, 
mas tem dentes até de sobra.

De ti ela se alimenta 
e os teu problemas aumenta,
E é por isso que ela zela 
e o balão de ar te arrebenta,
Tira agora essa venda 
marca uma nova senda
Não caias na esparrela 
de continuar na sua tenda.

É o teu sopor que te confina 
a servir essa sovina
Para veres atrás do pano 
apenas abre a cortina:
Ela se impôs na tua vida, 
abriu-te uma ferida
E então ano após ano 
não deixa que fique guarecida.

África, abre os olhos 
e livra-te dos abrolhos,
Foram séculos de engano 
que te meteram em escolhos,
Agora segue os teus sonhos, 
sacode esses demonhos
faz o teu próprio plano 
para deixar os teus risonhos.



Parte da letra de DEUSdaRIMA - o rapper metido a poeta ou o poeta metido a rapper.

4 de fevereiro de 2012

SILÊNCIO (soneto)

Imploro da minha alma do fundo
Sobre as tuas frases uma cortina,
Dói ’sta chama que o teu verbo destina
Pra apagar a alegria do meu mundo.

Cobre-me com a capa do moribundo
Este teu falar cruel que desafina
O mel da melodia bailarina,
E torna-me a bonança em vagabundo.

Imploro pra minha paz um calar,
Peço, para o meu coração, uma paz,
Depreco um silêncio prò coração.

Silêncio!... Não regue este teu falar,
Pois no fundo da alma só dores faz;
Se te errei, crê, já estou em contrição.

3 de fevereiro de 2012

SEMENTES DE VIOLÊNCIA, Evan Hunter (1954) - 'des'construindo uma sociedade


Reza a lenda que Evan Hunter passou por 13 editoras com o manunscrito de Sementes da Violência tendo sido constantemente rejeitado. Isso aconteceu a muitos grandes escritores com obras que depois viraram clássicos. Entretanto, acredito que eu, no lugar dele, teria refito toda a obra porque treze opiniões negativas de “profissionais”, queiramos ou não, são tremendamente desmotivadoras. Provavelmente (a hipótese ponho eu) os editores, que lhe rejeitaram a obra, apontaram a partes diferentes dela para criticar o todo, de maneira que ele soube juntar os pedaços, fazer as contas e perceber que obra não peca, só que não satisfaz o gosto de todos. Sementes de Violência não é o melhor trabalho literário do mundo, mas é tão bom que traz a pergunta: onde raio tinham a cabeça os editores que rejeitaram o manunscrito?

A trama central é sobre Rick, um professor idealista e cheio de sonhos que acredita ter poder para mudar o mundo, começando no entanto pelos círculos mais pequenos: o grupo de alunos das suas turmas, que espera que alarguem essa influência às suas comunidades, depois às sociedades, e assim por diante até cobrir o mundo. Rick é este idealista a quem calhou a sorte de ter caído talvez no pior sistema de ensino americano: a escola técnica de um bairro social.

Rick tem de lidar com adolescentes, a maioria filhos de emigrantes, que la fora são inimigos uns dos outros, mas dentro juntam-se contra um inimigo comum: o próprio sistema de ensino, personalizado pelos professores.

Hoje essa história é muito vulgar porque já a vimos explorada em livros, filmes, séries e muitas outras espécies de arte que se valem da narrativa, e perdemos de conta as várias versões que vimos, entretanto, apesar disso, Sementes de Violência, ainda mantém o seu brilho, eu disse ainda, porque o livro é de 1943, e com alguma probabilidade foi o primeiro a versar sobre o tema.

A crueza da realidade descrita, as análises e auto-análises de Rick, por vezes vestindo a capa dos alunos para tentar ver pelos seus olhos, tornam Sementes de Violência ainda mais interessante. E o final realista do livro também contribui imenso para lhe acrescentar o seu valor; não os dá um e foram felizes para sempre, ou uma perspectiva do género, mas… enfim, leiam o livro.

Sementes de Violência é um livro para ler, um livro com ensinamentos e cheio de informações, com personagens bem construídos e estranhamente, tirando uns poucos maniqueisticamente desenhados para não gostarmos deles (e mesmo esses), conseguimos criar empatia com todos. Vale bem as horas empregues.

2 de fevereiro de 2012

BORED TO DEATH, S03E08 – Nothing I Can’t Handle by Running Away (review - final)

Parafraseando Bergeron: [Não há] nada com que eu não possa lidar fugindo dele.


É ele quem diz a frase, mas a bem ver, todos os personagens têm agido dessa maneira, preferem enterrar a cabeça na areia a lidar com os problemas, preferem fugir e fingir que não existe e que não está lá, mas tal e qual aconteceu com Bergeron (Stacy Keach) no fim, acabando por, pelo menos uma vez, não fugir, aos outros personagens também aconteceu, ou pelo menos a George (Ted Danson), pois não estou certo acerca de Ray (Zach Galifianakis), nem mesmo de Jonathan (Jason Schwartzman) que não quer estragar o seu paraíso apresentado a maçã à sua Eva, ou melhor, Rose (Isla Fisher).


“Bored to Death” despede-se outra vez, entrou com pompa e saiu com circunstância, que mais se pode esperar? Este episódio começou com um bombardeio de piadas umas atrás das outras, algumas não muito boas, mas que esticam para as orelhas os cantos da boca, e no geral conseguiu ser um episódio decente e merecedor do nome da série.

O plot principal deste episódio foi divertido, Jonathan, por causa do novo pai, acaba envolvido com pessoas perigosas, precisando dos amigos para o salvar, George, Ray e o seu exército de super-Rays (ajudantes, aduladores, George não sabe a diferença), cujo membros são cada um mais estranho que o outro.


Sinceramente eu esperava mais desenvolvimento sobre a história Jonathan-Rose-Bergeron, tipo ver Jonathan a confrontar a Rose com a verdade sobre serem irmãos biológicos, mas porque há muito que espremer disso, não me sinto nada mal por ter de esperar até a quarta temporada para ver como farão isso, pois terão oito episódios para desenvolver um tema tão complicado quanto o incesto em vez de tentar abordá-lo em apenas um. E da forma como isto acabou acho que temos mais lenha para a fogueira na próxima temporada pois ganhamos mais duas personagens, Rose e Bergeron, pois este apesar da sua ideia de fugir sempre, voltou para Jonathan, querendo dizer que talvez queira mesmo conhecer os seus filhos e que se tenha mesmo fartado da vida de embuste e só procurava um motivo para se afastar, o que Jonathan acabou de providenciar.


Quanto a relação Jonathan-Rose, bem, eu não achei lá nada estranho, afinal o que é um irmão?


Francis Fukuyama escreveu sobre o incesto n’A Grande Ruptura, referindo-se a um casal de crianças, irmãos de adopção, que desenvolveram a repugnância do incesto, porque cresceram e viveram como irmãos. Nessa perspectiva, Jonathan não é irmão de Rose, pelo menos no sentido afectuoso do termo e não biológico. A série toda temos visto a pergunta: o que é um pai? aquele que nos semeou, aquele que nos criou ou aquele que temos por modelo? Agora a pergunta talvez seja: o que é irmão? Jonathan é consanguíneo de Rose, mas não, não são verdadeiramente irmãos, pelo menos para mim. No entanto, quero ver o desenvolvimento que vão dar a isto. Eu não achei assim tão anormal, porque tenho as minhas considerações sobre o incesto, bizarro, sim, por não ser usual (parece contraditório?).


Mudando de sujeito… não acredito que Ray tenha consciência das necessidade das outras pessoas. É claro que está ali sempre para os amigos, depois, é claro, de resolver primeiro os seus assuntos, como da outra vez que deixou Jonathan pendurado por uma hora para ter sexo com Leah (Heather Burns), aliás, como bem avisou àquele para se fazer disponível por ele agora está em necessidades emocionais, mostra-se completamente egotista. A sério, que tipo de pessoa tiraria comida a uma criança e nem sequer perceberia por que ele está a chorar? E, mea culpa, não sei porque essa cena foi hilariante quando devia simplesmente chocar. E será que a mãe de Spencer (não me lembro do nome, acho que é Claire) vai ser o próximo alvo de Ray? Não acredito na sua história com a nova “grannie”.

Ray: O Spencer está em casa?

Claire: É claro, ele só tem 14 meses.

George finalmente resolveu abrir-se a Josephine (Mary Steenburgen) finalmente ficou cansado de correr e quer assentar arraiais. Vamos ver o que vai sair disso.



Da forma como esta temporada fechou, “Bored to Death” amarrou todas a pontas principais, a série até podia ter acabado aqui que todos os personagens parecem ter ganho um propósito e podem, de novo, considerar-se crescidos, no entanto, como tinha referido as novas pessoas que entraram na história e na vida dos personagens principais, abrem portas para novas histórias e novos desenvolvimentos, por outras palavras existe um cliffhanger discreto, mas muito interessante. 




P.S.: O final de Bored To Death aconteceu desde o ano passado, embora só agora o esteja a actualizar aqui, perdendo a sua piada. Porém, pior, para a série e para os fãs, ela foi cancelada.

1 de fevereiro de 2012

BLACK DYNAMITE, 2009

90% dos filmes americanos dos anos 60 e 70 têm uma caracterização, geralmente algum sufixo a preceder exploitation, eram sexploitation, zombieploitation, blaxploitation entre outros tantos vertentes. No entanto, os anos 60 e 70 provavelmente devem ter sido, de acordo com a minha limitada ciência da história do cinema, a ascensão do cinema negro, que nem sempre era realizado por negros, mas por brancos que forçavam os estereótipos, algo que provavelmente traumatizou alguns futuros realizadores como o Spike Lee que ainda hoje milita no cinema para limpar essa imagem e mesmo que faça filmes sobre bolachas propõe questões como: por que bolachas negras têm sempre chocolate? Mas politiquices à parte, o herói negro dos anos 70, quer dizer, o mais respeitado, era Sidney Portier, praticamente o único, mas depois da proliferação de blaxpoitation houve chuva de pretos no Hollywood, e, de uma maneira ou doutra, não obstante a esteriotipação, isso alavancou muito os negros no cinema.
Na minha terra o preto mais conhecido era o Jim Brown, era tão famoso que nem sabíamos quem era de maneira que qualquer herói preto era chamado de Jim Brown e levava muita gente ao cinema, aliás passei um terço da minha vida a chamar Carl Wethers  e Fred Williamson de Jim Brown, até o primeiro ter ganho estatuto próprio e passar a ser conhecido lá por Apolo (depois do filme Rocky, alguém se lembra? - que no entanto só praí nos finais dos 80 se tornou popular na minha terra).
Bem, basta de conversa desfiada, Black Dynamite hoje talvez não possa ser chamado de blaxploitation porquanto essa onda já parece ter passado (ou ficado apenas nos filmes pornos), por isso o que faz é reciclar filmes dos anos 70 e construir um filme tão mal feito como aqueles de tal maneira que a única coisa que pudesse daí resultar fosse um bom filme.
trailer

Black Dynamite é bom por ser mau. Eu explico: O herói é estereotipado ao extremo, aliás, não há um único personagem que não o seja; os actores são bons em representar mal, ou nem chegaram a precisar de representar, eu sei lá; o argumento é bom em ser mau, a história principal que começa o filme é de repente esquecida, o filme passa para outros ideais, mas de repente isso já não interessa nada, enfim… edição é boa em ser má, cortes estúpidos, transição de cena que desrespeitam totalmente o argumento; a fotografia má, a iluminação parecendo ter sido feita com uma lanterna de mão, cenas de luta ora levadas a sério, ora extrapolando o ridículo, onde o herói só precisa de sacudir as ancas para derrubar o oponente; carros que explodem no ar só porque despistaram; momentos risíveis abundantes (por exemplo, numa cena em que Black Dynamite fala com o irmão, contando-lhe a idade para se situar no tempo; ou que depois de explicar tudo o que a mãe lhe disse ainda assim tem um flash-back inútil a revelar esse momento); as one-liners são boas em não terem sentido; os diálogos são mais básicos que as conversas inteligentes das Tardes da Júlia; enfim, Black Dynamite tinha tudo de mau e tão mal feito que (tal e qual manda a lógica, a dupla negação é uma aceitação), repito, só podia ser um bom filme.
Um filme para ver com os amigos, dar umas boas risadas e passar hora e meia divertida e com o cérebro em off.