15 de junho de 2011

MISTÉRIO DA RUA 7, 2011 (Vanishing on 7th Street)


Stephen King tem uma história no seu livro Meia Noite e Dois chamado Os Langoliers, que por acaso ganhou uma minissérie (The Langoliers) má po cará… ok!, bastante má, como 90% dos filme feitos à base do trabalho do autor. Nessa história, as personagens passam por uma fenda no tempo e todas desaparecem, sobrevivendo apenas as que se encontravam a dormir, e depois há o nada, que me lembra História Interminável (grande filme da minha infância), que faz desaparecer tudo.

No entanto, não vou aqui falar d’ Os Langoliers, e se comecei por ele foi pela semelhança que encontrei com o filme Mistério da Rua 7, que inicia com as pessoas a desaparecerem numa sessão de cinema, ficando só coisas inorgânicas: roupas e etéceteras, consumidas pelo nada, ou melhor pela escuridão. Vi o filme atraído pela sinopse e lembrei-me do mestre ali em cima. Por isso mal o desaparecimento aconteceu, comecei a procurar semelhanças para poder identificar por que razão alguns não desapareceram, sobreavisado pelo enredo da estória supracitada, e foi fácil: a luz, o que me foi confirmado uns tantos minutos depois, querendo dizer que o argumentista leu a mesma história.

Quando acabei de ver Mistério da Rua 7, fui ler as críticas e não houve nenhuma boa, todos falam mal do filme, queixando-se ou dos actores (que de facto andaram por lá aborrecidos), ou do enredo com muito por explicar (quando muito explicado também se queixam) ou da falta do propósito da história, e ainda houve um que disse que a intenção do realizador era satanizar o Adam Sandler e enaltecer a religião, comparando o filme com O Livro de Eli.

Pois bem, eu aqui gostei do filme, não que isso interessa. E a quem disse que não encontrou propósito ou mensagem eu recomendo ver de novo. E aviso desde já, isto vai carregado de spoilers.


trailer



Mistério da Rua 7 começa num cinema, como já dissera, o projectista conversa com alguém, falando com nariz torcido do filme de Sandler que estava a ser projectado, razão: o enredo é sempre o mesmo e as mesmas piadas fáceis, mas as pessoas estupidamente continuam a ver esse mesmo filme, aliás, a prova disso é o The Hangover II acabadinho de estrear, que não mais nada que o recalibrar do primeiro, segundo os que viram. Ou alguém já viu o filme Professora Baldas?, só vi o trailer, ali ela põe os alunos a ver filmes em vez de ler, advogando que os filmes são os novos livros. Aqui o projectista do cinema é mostrado a ler e mais tarde percebemos que é um nerd, com todos os clichés: muito conhecimento, desejo e medo de mulher. É o único instruído, o único que lê, apesar de ser aquele que põe o cinema a funcionar, porém, só tem teorias não age. E para o cinema acontecer tem de haver escuro, mataforando, as trevas, o emburrecimento, digamos assim. De repente acontece um apagão e todo o mundo desaparece. E mais tarde percebemos que a escuridão (que parece vindo de Ghost - Espírito de Amor) é que consome as pessoas e as tornam em nada mais que sombras.

Depois vemos outra personagem, uma enfermeira, a procurar pelo filho no hospital, para contextualizar que a luz, o esclarecimento, a razão (metaforando outra vez), é que salva. Como vemos ainda na sequência seguinte quando nos é mostrado um apresentador de televisão todo cheio de si mesmo, que sai de um edifício de vinte ou mais pisos (imaginem a quantidade de pessoas que vivem ou trabalham num edifício desse tamanho) e vai até a rua sem dar conta de que as pessoas desapareceram. Primeiro pensei, que merda de distracção forçada, mas depois compreendi a mensagem logo a seguir quando ele nega ajuda a uma pessoa em risco de vida: aquele só quer saber de si mesmo e acha que o mundo gira à sua volta, por isso demorou a notar que os outros já não existem.

Depois aparece, cada um por sua ordem, duas crianças cujos maiores propósitos só são mostrados no fim.

Quatro dessas pessoas vão acabar num bar que tem um gerador auxiliar a funcionar e mostram ali as suas personalidades de uma maneira mais explícita: o projectista é cheio de teorias, mas só fica nisso; a enfermeira é uma crente e acha que Deus está a punir o mundo pelos pecados; o apresentador é egocêntrico, não lhe importa um corno do porquê daquilo, só quer sobreviver; a criança é uma criança um vaso para encher e que todos eles enchiam. A outra criança que sobreviveu, conseguiu-o afastando-se dos adultos.

Quando as personagens são ameaçados pela escuridão põe-se todas a declamar: eu existo!, eu existo!, repetidamente. E quem se lembrar de Cogito, Ergo Sum, de Descartes, talvez note que eu existo quer dizer eu penso, eu penso quer dizer tenho luz, porque a burrice é a escuridão; e tenho luz, segundo Kant, quer dizer eu ajo, e eu ajo passaria por eu pondero. E aquilo pelo que o nosso planeta está a passar demonstra tudo menos ponderação: destruímos o mundo em nome do lucro, temos o aquecimento global, a poluição, as guerras, a fome, males de toda a sorte em nome do egoísmo, das crenças, tanto científicas como religiosas, e ainda assim dizemos: somos racionais. Sempre gostava de saber quem definiu o homem como racional, Oscar Wilde.

Devo ter sido o único que encontrou mensagens no Mistério da Rua 7, o único que esteve atento ao facto das personagens terem sido salvas por energia fotovoltaica, ou que ouviu referências à cidade verde e às usinas nucleares. Ainda temos o sol, está tudo bem, mas e quando perdermos o sol e quando queimarmos o céu (The Animatrix, alguém se lembra?)? A menininha do filme salvou-se porque tinha uma lâmpada que nunca apagava porque funcionava com o Sol (a fonte da luz), e a escuridão não conseguia apagá-la como fez com as outras fontes de luz, o rapaz salvou-se por causa de pequeno grão de fogo, querendo dizer que a luz (o eclarecimento), mesmo que em pequena dose ajuda-nos a livrar da escuridão. Ou alguém notou que os animais não desaparecem? Ainda no fim, temos um novo Adão e Eva, não brancos, mas preto e branca, uma referência à miscigenação anti-racista. O filme não é religioso (quer dizer se ignorarmos os 3 dias, o número 7, os triângulos que insistiam em aparecer), mas político, filosófico e ideologista.


Ok! Agora a parte má: Mistério da Rua 7 tem um tanto de parvoíces, dos quais cito: a enfermeira a procurar o filho no hospital quando o tinha deixado em casa, ou depois de 3 dias ainda andava aos berros por causa dele, como se não tivesse visto o mundo todo a desaparecer. Queria então dizer que o amor dos pais é sempre estúpido e cheio de esperança? Ainda essas pessoas dizem terem sido apanhadas pela escuridão mas que escaparam, um deles disse que a sua luz voltou e foi por isso, ou seja talvez todos eles dever tem escapado por causa de alguma fagulha, mas isso ficou por explicar porque esse mesmo ainda disse ter estado preso na escuridão durante 3 dias (o número mágico do esoterismo, comparação com os dias que Cristo viveu na escuridão, ou andou na escuridão quando morto?), e depois mandado para a luz. E mais a lenda de Croatoan só faz perder o carácter de seriedade do filme, principalmente quando a palavra aparece escrito, deitando abaixo a seriedade das mensagens antes passadas.

É certo que para ser um filme de terror falta-lhe muita acção, e apesar do arrastar um tanto desnecessário de algumas sequências, o filme foi suficientemente rápido. Podia ser melhor trabalhado para agradar tanto aos gregos como aos troianos, mas este troiano aqui não reclama. A parte técnica também mandou bem, particularmente destaco a fotografia (que lembra muito a The Walking Dead, principalmente na cena final). Eu gostei e encontrei mensagens, por isso fecho assim: O Mistério da Rua 7 é recomendável, mas se queres acção e susto, fácil ou difícil, e não usar o cérebro, passa longe.


Actualizado: vi o filme de novo no início de 2017, era muito mau. Nem sei onde tinha a cabeça quando o vi pela primeira vez e que motivou este post. 



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