24 de junho de 2011

HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA, O, G. K. Chesterton (1908) - o mito dos opostos



Sempre me fascinaram premissas absurdas nos trabalhos de ficção, e mesmo que me sinta depois desiludido pelo desenvolvimento, não consigo evitar de ler (ou ver, no caso do cinema) para me inteirar da forma como o autor trabalha o material e como com ele navega.

Praí em 1997, ao ler lombadas nas estantes da biblioteca do INEP, uma actividade costumeira que me dá a ilusão de ter lido mais livros do que na realidade li, eu vi O Homem que era Quinta-Feira de G. K. Chesterton, e pensei: mas como?, abri o livro e comecei a ler, não deu mais para parar, faltei à escola nesse dia e, quando a biblioteca ia fechar, sem eu ter acabado a leitura, dei um jeito de levar comigo o livro. Não, não o roubei, mas como tinha emprestado outros, não podia levar mais nenhum, porém como sempre fui o cliente mais assíduo e mais novo dessa biblioteca (porque não tinha livros infantis), todos os bibliotecários me conheciam e deixaram-me levar comigo o livro, divertidos com as minhas súplicas. No dia seguinte, ao voltar, já tinha lido duas vezes o livro.

O Homem que Era Quinta-Feira, Odisseia, de Homero, e O Elogio da Loucura, de Erasmus, são os primeiros da lista dos meus livros de sempre, por quê?, não sei dizer, talvez pela impressão que criaram em mim quando ainda puto.

Gostei d’O Homem que era Quinta-Feira pela maneira como Chesterton conduziu a história tornando-a numa aventura surpreendente. Anos depois, praí em 2000, após a reabertura da biblioteca[1], encontrei de novo o livro e ao relê-lo fiquei ainda mais fascinado, porque não só mantinha o espírito de aventura que eu tinha percebido da primeira vez, como também tinha filosofices e reflexões filosóficas e sociais, e nessa altura eu era louco por filósofos.

Eis a história de O Homem que era Quinta-Feira, Gabriel Syme, um poeta conhece num parque um anarquista, aparentemente um desses rebeldes sem causa que atacam toda a ordem por não terem mais nada para fazer, porém por causa de uma discussão ridícula, este resolveu mostrar-lhe que falava a sério e convidou-o para uma das suas reuniões clandestinas. O que ele não sabia era que Gabriel era um polícia, um polícia poeta, lembrando o que o Platão disse algures n’A República e qualquer coisa como: se formos governados por homens ilustrados seremos melhor governados. Gabriel entra assim para a organização anarquista descobrindo que eles tinham uma estrutura que se dividia em seis chefes, todos conhecidos por um dia da semana, que por sua vez, reportavam ao chefe supremo, o Sabbat, que devido a catolização do Sábado, aqui é conhecido por Domingo. Inflitrando-se na organização, Gabriel acaba por ocupar o lugar de Quinta-Feira, e aí descobre que estava iminente um ataque terrorista que poria em risco toda a ordem (ou devia ser a Ordem), e tinha que descobrir uma maneira para o parar.

O Homem que era Quinta-Feira é todo ele cheio de reflexões filosóficas, políticas e teológicas, talvez mesmo utópicas, porém, a visão de um crente sobre o mundo e a ordem. É também uma reflexão sobre a questão existencial, uma análise do mito dos opostos, somos ou o bem ou o mal, ou somos o bem e o mal, ficando connosco a tarefa de destacar mais um deles?  Não posso falar mais para não criar spoilers, no entanto, tenho uma resenha sobre o livro da qual não sei o paradeiro, mas que no dia ou ano em que a encontrar, vou certamente postá-la. Chesterton escreveu aqui uma das melhores apologias de Deus que já li, e não obstante eu ser ateu, e prefira substituir onde ele escreve deus por outras causas, ou por ausência de causa, centrando-me apenas no homem, o seu livro continua fascinante (aliás ele nunca falou directamente em Deus). Uma leitura obrigatória tanto para cristãos como para ateus.

Não garanto a todos que vão gostar d’O Homem que era Quinta-Feira como eu gostei, porque há uns três anos, recomendei-o a uma pessoa que disse não ter visto grande coisa nele, razão porque tive medo de relê-lo para não estragar as lembranças, mas há coisa de dois meses ganhei coragem e voltei a ler, e ainda continuo a gostar, pois ele parece-me como um primeiro amor; no entanto, garanto que de alguma maneira vão gostar, principalmente os leitores do fantástico.



P.S.: Estranha-me que ao falar de um dos meus melhores livros de sempre não tenha conseguido um artigo excitante.



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[1] Com a guerra de 1998, os militares aquartelaram-se na biblioteca de INEP e no Museu Etnográfico Nacional, destruindo boa parte dos livros e itens do museu, tornando culturalmente mais pobre o país.
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