8 de junho de 2011

MEMÓRIAS DE LÚCIFER - ADÃO E EVA - O Mundo Perdido - pt. 4


THEN, on ADÃO E EVA:

Deus sabia que Adão não estava de acordo com a construção da mulher, por isso fê-la uma criatura bela, resplandecente, vistosa e apaixonante.
– Adão já está a passar das marcas. Vou mandar Adão para uma viagem de quinhentos séculos.
Através de bocas alheias, Adão soube que Eva foi passear no Jardim Proibido e foi vista na companhia da serpente. Desconfiou que algo estava errado, e foi avisar a Deus:
- Pai, a serpente anda muito a falar com Eva, eu vou escamá-la. 


NOW

- Adão, não podes escamar a serpente. Não se pode destruir nenhuma criatura viva.
- Pai, eu já Te disse, se eu vir a serpente de novo a falar com Eva, escamo-a. É melhor que a avises, não quero problemas com ninguém. Que está ela a dizer a Eva? Pataratas apenas. Se as vir juntas de novo, mato-a.
- Por que não matas antes a Eva? - provocou Deus.
- Porque... ora, porque... Por que raio fazes essa pergunta, se acabaste de dizer que não se pode destruir criaturas vivas? Por que queres que eu mate a Eva?
- Eu não quero que a mates, não quero que mates nada. Mas não achas que seria injusto matar só a serpente se ambos prevaricaram?
- Mas prevaricou o quê? Quem falou em prevaricação, só quero a serpente longe da minha fêmea, ela tem a sua, que vá conviver ela.
Adão estava com medo que Deus tivesse alguma intenção oculta, e da forma como desconfiava de tudo ultimamente resolveu não arriscar a descobrir essa intenção e por isso desconversou e foi-se embora. 
Entretanto, por causa do seu aviso, Deus falou com a serpente, avisando-a para não se aproximar de Eva.
- Mas como poderei fazer o meu trabalho, pai, se não posso aproximar-me dela?
- Não sei. Se quiseres fazer o teu trabalho, arranja maneira de o fazeres. Nunca deves desistir por falta de meios, antes pelo contrário. Quem encontrou foi porque buscou.
A serpente, aconselhada, buscou e encontrou. Descobriu que Eva gostava de ir ao cybercafé do arcanjo Gueites para entrar no chat e requisitou um computador para poder manter conversação com Eva.
Foi assim que lhe falou da emancipação da mulher e dos direitos cívicos igualitários para todos os géneros humanos. Rematava assim: a espécie é única, nasceste da costela, para mostrar que és igual ao homem, não superior nem inferior. Blá-blá-blá. O emudecimento da verdade foi quebrado, blá-blá-blá, a verdade já saiu do seu alforge, querendo ser hasteada para que todos a vejam.
Eva não compreendia essa última parte, não lhe via sentido, mas parecia bem construída, portanto tinha de ter algum. Talvez estivesse mesmo a precisar de inteligência se até mesmo a serpente sabia mais do que ela. Raios! Imprimiu tudo e levou para Adão, para que este a ajudasse. Adão leu e releu, nada entendeu, mas deu a Eva uma explicação tosca, que não a convenceu, apenas para não mostrar a sua ignorância. Depois, foi buscar um dicionário, mas nem por isso conseguiu traduzir a ideia. Teve que ir procurar Cristo para este lhe ajudar.

Eva, impressionada pelas palavras da serpente, passou a gastar mais tempo no chat, em conversas com ela. Gostava muito de ouvi-la, inda mais porque era com a mulher da serpente que falava agora, e esta era mais expressiva, uma feminista. Quanto menos compreendia, mais Eva admirava o que lhe era dito: confirmava sempre dizendo que era verdade e mais que certo tudo o que a serpente lhe dizia, não obstante não percebesse patavina.
Adão agora andava sem cuidados, não havia motivos para pensar que Eva tocaria na fruta, pois que desde que lhe ensinou a usar Internet, ela andava colada ao computador. Adão não sabia a verdadeira verdade do perigo, não sabia que a serpente instigava Eva a comer a fruta, incutindo-lhe muitas pataratas na mente. Eva tinha muitas outras coisas para fazer, era claro, já nem mesmo ia passear ao Jardim Colorido; se não estava na cybercafé do arcanjo Gueites, então estava na oficina da DIABO a pedir novas coisas que a divertissem muito como aquele espelho. Adão passara muito tempo a procurar um espelho para Eva, porque ela não lhe contara o nome certo, chamara-o espedo. E aquilo era a única coisa de que Eva não se enfastiava, passava eternidades a mirar-se nele.
O que mais dava paz a Adão, convencendo-o que Eva nunca tocaria na fruta, era o facto dde ter pedido a Cristo para vigiá-la, salvando-a de se perder. No entanto, um dia...
- Adão! - disse Eva, correndo ao seu encontro com uma fruta na mão. - Morde isto, é uma delícia.

- Merda!.. - gritou Adão, sobressaltado, depois de ter reparado na fruta. - Eva, por que foste tocar nessa fruta?
Eva estacou, admirada com a cara furiosa de Adão, e com um trejeito que invocava arrependimento.
- Eu queria experimentar, Adão - justificou.
- Eva, não sabes o que fizeste.
- Sei muito bem, Adão - disse Eva, recuperando a confiança, a sorrir. - A serpente explicou-me tudo, Adão, acabei de ganhar poder igual ao pai. Agora sou até superior, pois poderei negar a sua existência, mas ele não pode negar a minha.
- Acabaste de ganhar poder, o caraças. Acabaste mas é de perder o Éden.
Eva perdeu a confiança.
- Por quê? - perguntou.
- Desobediência, Eva. Desobediência. Não mexer significa não mexer. Não vês aquelas placas onde se escreve não mexer e se desenha uma criança com um pé cortado pela mina? Aquilo é o resultado de mexer onde se diz não mexer. Por que merda fizeste orelhas moucas ao meu aviso?
- Adão, estás a assustar-me - disse Eva, visivelmente aterrorizada.
- A assustar-te? Vês-me zangado, Eva? Eu estou apenas triste. Triste por ti e pelo teu acto. Eras a minha fêmea, eu tinha o dever de proteger-te, mas deitaste tudo a perder.
- Mas, Adão - comecou Eva a chorar -, por que estás a falar no pretérito?
- Será que não entendes, Eva? Vais ser expulsa daqui.
Eva rompeu em pranto. Gritos e mais gritos. Histeria.
- Que posso fazer, Adão? Que posso fazer? - perguntava ela, desesperada.
Adão abraçou-a, movido por um sentimento recém-descoberto. A compaixão era grande dentro dele e uma antecipada saudade de Eva o tinha dominado, pois sabia que os seus destinos iriam se descruzar desde essa altura.
- Se eu soubesse, Eva - respondeu-lhe. - Se eu soubesse.
Eva encostou a cabeça no seu ombro e molhava-lhe o corpo com lágrimas. Adão não gostava, mas era o seu último dia com ela, tinha de aceitar. Pensou um pouco mais que o normal e resolveu:
- Onde está a fruta?
- Está aqui - mostrou Eva.
Adão tomou-a da sua mão. Eva, intrigada, levantou a cabeça para ele.
- Que queres fazer, Adão? - perguntou, sobressaltada.
Adão ficou fascinado pela nova cara que via nela. Cara preocupada, olhos rasados de lágrimas, um pouco inchados, músculos da face distendidos. Era uma beleza. Um outro sentimento que nunca experimentara antes apossou-se dele. Instintivamente, segurou Eva pelo queixo e colou a sua boca à dela. Foi o primeiro beijo do mundo. Beijos e beijos, como animais, começaram a descobrir, um no outro, novos talentos. Quer dizer, Adão descobria, porque Eva parecia mais à vontade, talvez fosse do instinto que tinha comprado a Adão.
Depois da confirmação da sua descoberta, Adão ficou ainda mais resoluto a nunca se afastar de Eva. Afinal era ela o verdadeiro Paraíso.
- Mas não sangraste? – disse ele a Eva.
- Mas tu também não – retorquiu ela. – E por que devia ter sangrado?
- Eu sei lá quem pôs essas palavras na minha boca. Na Bíblia eu não as disse.
Eva não entendeu, acho que nem Adão entendeu o que disse, mas não se preocuparam, porque ultimamente havia muitas coisas que não entendiam. Adão fez uma espécie de saia com folhas de árvore – ainda não tinha vendido o engenho - para cobrir as partes, a partir de então, íntimas dele e de Eva. Estava nisso quando ouviu Deus a assobiar, vindo na sua direcção. Envergonhado com as partes íntimas, empurrou Eva para uma moita, tratando ali de tapá-la e de tapar-se a si mesmo.
- Adão, Adão! - chamou Deus. - Onde estás?
- Estou aqui na moita - respondeu Adão. - Ouvi os teus passos e como estava nu, escondi-me.
- Como soubeste que estavas nu? - perguntou Deus. - Por acaso comeste a fruta proibida?
- Não, não comi - respondeu Adão.
- Como soubeste então que estavas nu?
- Como soube? Merda! Não sou cego. - Deus engoliu em seco, não esperava por isso. - Espera um pouco - pediu Adão -, já venho. É só dar um ajuste nisto. Pronto. Já está.
Adão saiu da moita acompanhado de Eva, com uma saia de folhas que provocou gargalhadas em Deus.
- Pelo menos nós estamos vestidos - disse Adão a Deus, irritado com a gozação.
Deus pôs-se sério então. Sabia que a sua ordem não fora cumprida.
- Um de vós comeu a fruta - acusou.
- Foi Eva... - aprontou-se Adão a responder.
- Foi a serpente que me enganou - justificou Eva, rapidamente, olhando para Adão com uns olhos a dizer: linguarudo.
- Eva comeu a fruta? - exclamou Deus, fingindo-se admirado.
- Estás surdo? - perguntou-lhe Adão. - Não foi o que acabaste de ouvir?
- Sabes o que significa isso, Adão? - perguntou Deus.
- Sei sim.
- Ela vai ser expulsa...
- Já disse que sei - gritou Adão, cortando-lhe a palavra.
Deus olhou para ele dentro dos olhos. Adão perguntou:
- Será que ela não tem perdão?
- Não, Adão. Ela infringiu a primeira regra, obediência, e esta era a fundamental. Quebra-se ela, de nada valem as outras...
- Compreendo, pai. Mas só que...
- Só que... - ecoou Deus.
- Só que, ou ficamos os dois ou saímos daqui juntos.
- Como? - Deus não sabia Adão capaz desse sacrifício, ele que sempre fora bruto com todos, não se importando com ninguém. - Não estou a perceber.
Adão mordeu o resto da fruta, que tinha na mão, para lhe mostrar do que estava a falar.
- Não é esta merda o motivo para cartão vermelho? Expulsa-nos! - Olhou para Deus com desafio e alguma pena de si mesmo, e acrescentou: - Se um dia quiseres saber por que fiz o que vou fazer, lembra-te destas palavras: foi a mulher que me deste.
Deus estava surpreso pela atitude de Adão. Ficou irritado, porque começou a ver que os seus projectos estavam a ir por água abaixo, ou melhor, foram. Adão estava a culpá-Lo, atribuindo o erro ao facto dele lhe ter construído a mulher, visto que não a queria no começo; a mulher culpava a serpente e ele, Deus, culpava-me a mim de tê-lo feito pôr aquelas frutas na Árvore Morta. Queria tirá-las dali, mas como não mudava a sua palavra, isso tornou-se impossível. Contudo, esperava que pudesse reconstruir tudo, incluindo remodelar Adão e Eva, para que a ordem reinasse. Conseguira conter a greve; embora alguns dos anjos tivessem ido comigo para o Inferno, muitos outros ficaram, então decidiu que esses não seriam molestados por Adão. Já não precisava expulsar Adão do Paraíso, nem Eva, e se eles não tivessem tocado na fruta, seriam eternos ali.
No entanto, fez-se uma luz no cérebro dele, e Deus lembrou-se dos códices, afinal não precisava expulsá-los, sempre havia uma chance.
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