29 de junho de 2011

A URBANIDADE E O INDIVIDUALISMO


Este texto foi um trabalho sobre a mudança da sociedade rural para urbana para uma cadeira de sociologia; para tornar-se postável, tive de fazer bastantes cortes, reduzindo as suas páginas em uma e meia apenas, tentando manter apenas o essencial. Espero que tenha ficado digestível.


Francis Fukuyama, no seu livro A Grande Ruptura, disse que houve três grandes reviravoltas na história do homem: a primeira quando deixou de ser caçador para se tornar agricultor, a segunda com a revolução industrial, na terceira estamos nós a viver, a era da informação.

Aquando da primeira ruptura, os homens deixaram de ser nómadas e passaram a organizar-se em grupos, criando cidades, apropriando-se do espaço e criando hierarquias; os excedentes da cultura foram um dos principais motivos da criação do mercado, e não tardou muito que se passasse ao esclavagismo e ao feudalismo (embora ainda não fosse assim denominando).

Com a revolução industrial, aconteceu a explosão do êxodo rural, resultado dos sistemas de transportes mais rápidos (comboios, vapores, automóveis, etc.), as pessoas encheram as cidades que se rebentaram pelas costuras, começando a expandir-se para os subúrbios; imensas cidades dormitórios começaram a ser criadas, visto que as indústrias encontravam-se todas nas cidades principais. Há já mais de um século que esse fenómeno começou e não está ainda refreado, acontecendo, porém, desta vez, um outro movimento contrário, definido pela ecologia humana na teoria das estruturas urbanas de Robert E. Park e Ernest Burgess, a deslocação dos ricos do centro da cidade para novas zonas suburbanas.

Estamos na era de informação e o sector terciário – a prestação de serviços – domina os outros sectores (a secundária – industrial – e a primária – agrícola); e o sector terciário funciona mais nas cidades desenvolvidas. E tal como em Lisboa pode tirar-se maiores dividendos que em Barreiro (cujo crescimento resultou do sector secundário, hoje desmantelado), assim também em Madrid se tira maiores dividendos do que em Lisboa, por pertencer a um país mais forte economicamente e com maior poder de compra. Nesse sentido, percebe-se que as empresas criem mais agências – o que se traduz por postos de emprego – nas cidades mais movimentadas e não nos subúrbios ou no interior, considerando que as oportunidades concentram-se mais nas grandes cidades.

E é nesse sentido que Lisboa e Porto tornaram-se alvos de migração, as cidades do interior esvaziando-se para os encher. E disso nasce a questão das rendas, condicionada pela lei da procura e da oferta, elas tornam-se cada vez mais caras, visto que os lugares, com a construção de infra-estruturas e proximidade de transportes públicos e centros de emprego ficam mais valorizados, levando também a outro fenómeno: a especulação fundiária, mas que não se vai falar aqui.

Com as rendas altas na grande Lisboa, e com as deslocações dos ricos do centro, o sentido da migração começa a ser para os subúrbios, Amadora, Loures, entre outros, provocando o cerzimento desses bairros dormitórios através de novas construções, e resultando na criação de novos concelhos. Essa conurbação urbana, facilitada mais pelas linhas de comboio e, posteriormente, de metro, e uma ineficaz descentralização da importância de Lisboa, na medida em que os centros de emprego concentram-se mais ali, provoca o grande fluxo de deslocação pendular: de manhã, milhares de pessoas deslocando-se para o centro urbano, à tarde movimentando-se no sentido contrário, fluxo tal que as infra-estruturas rodoviárias não aguentam, e que é visível nas longas filas de trânsito.

Ao stress das filas de trânsito e do movimento contínuo da sociedade urbana, onde descansar é sinónimo de preguiça, vivendo toda a sociedade acelerada e com uma pressa exagerada, acrescenta-se o vender de um sonho padronizado como garantia da felicidade, diante do qual não se queda indiferente.

Fukuyama refere-se à questão da publicidade, que segundo ele, a partir dos jogos olímpicos de Atlanta, em 1996, ganhou uma outra face, começando a ser mais agressivo, eliminando limites e oferecendo o mesmo a toda a gente. Sabe-se da impossibilidade das pessoas viverem todos como lordes, por causa dos sistemas gestores das sociedades, entretanto, todos os dias a televisão, os outdoors, o cinema, a rádio passam esta ideia: este ALGUÉM podia ser tu. Desta maneira, todos estão a tentar ser alguém, e as coisas são de tal forma que ser alguém não significa ter uma família ou uma comunidade em que se apoia e que se apoia, mas simplesmente ter dinheiro: carro na garagem, casa com piscina e uma bela mulher – resumindo o sonho americano que agora nos é vendido pela média. Assim cria-se a alienação nas comunidades ou a inexistência destas, da qual resulta uma sociedade com suas regras mas com seus membros que não são mais nada do que fantasmas ou números de estatísticas. Não obstante se publicite a imagem da família, não se pensa realmente na família, mas sim como se pode explorar esse aglomerado que antes realmente era família.

No terceiro episódio da série de documentários Portugal – Um Retrato Social, subtitulado Mudar de Vida - O Fim da Sociedade Rural, uma senhora entrevistada diz que acorda os filhos às 6.30 da manhã para levá-los à escola e que volta à casa apenas às 8.00 da noite. Entrentanto, considerando a hora do jantar, e a hora da televisão, em que praticamente todo o mundo está calado, as únicas horas de conversa e interacção com as crianças acaba por ser reduzidas a uma, imaginando que elas vão para a cama às dez ou às onze. Ela ainda diz que o mais novo sempre lhe quer o colo, pelo que ela tem que ir deitar-se a uma ou às duas da manhã porque tem de adiar os afazeres para satisfazê-lo emocionalmente. E ao mais velho das crianças o que acontece em termos afectivos?

Portugal, Um Retrato Social, 3º Episódio

Há famílias em que essa relação é ainda pior. Há casais que não se vêm senão aos domingos, ou quando a folga dos dois coincidem, porque quando um deles chega a casa o outro já está a dormir. E ainda se admira que a taxa de natalidade e de casamentos tenha baixado e que o número de divórcios tenha aumentado. A família é o núcleo da sociedade, defende-se, entretanto, vemos como ela é explorada pela mesma sociedade que faz dela o núcleo. 


A era da informação criou e acentuou o consumismo, e as publicidades são orientadas principalmente para as famílias. As horas nobres, em que os membros todos supostamente estão reunidos, são as melhores para a publicidade, e as publicidades nesse período são também mais caras, e é orientada a todos, desde os avós até aos bebés. Cada dia é inventado um novo dia, para não citar outros: o dia de pai, o dia de mãe, de namorados, o Natal, a Páscoa, e, fenómeno recente, importado dos EUA, o halloween.

Acompanhadas pela ideia: Esse ALGUÉM podia ser tu!, as pessoas deixam-se levar pelo consumismo, pois não querem ser zé-ninguéns, e vivem a um ritmo que desgasta os laços familiares e anula os laços da vizinhança, centrando-se apenas no posse. 

Essa alienação incentiva o egocentrismo e a busca desenfreada pela satisfação material, de tal modo que comparando a forma de vida da cidade com a do campo, pode dizer-se: as pessoas aqui não vivem, simplesmente gastam… e desgastam-se. 
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