6 de maio de 2011

MEMÓRIAS DE LÚCIFER - ADÃO E EVA - O Mundo Perdido - pt. 1

Sexta-feira, dia treze, Deus quer fazer uma fêmea para Adão. Tudo o que fizera era perfeito, fora de uma certa árvore que nasceu morta e que foi apelidada de Árvore Morta. Deus queria completar a sua obra, e foi ter com Adão:
– Vou fazer para ti uma fêmea, para que dividas tudo o que tens com ela.
– Olha bem, pai – disse Adão – não quero dividir o que tenho com uma fêmea.
– Não sejas egoísta, homem, precisas de um par. Todos têm.
– Tu não tens.
– Eu sou aquilo que sou. Não me canses, precisas de um par. Vá lá, dá-me o raio da costela – disse Deus, perdendo a paciência -, ou então tiro-ta à força.
– Como? – inquiriu Adão, gozador.
– Mando amarrar-te pelos meus anjos e arranco-ta.
– Não me faças rir, pai. Qual dos teus anjos pode amarrar– me? – Contraiu os músculos.
Deus olhou para a sua constituição física e amaldiçoou-se por tê-lo feito tão musculado. Queria usar Cristo para neutralizá-lo, mas optou por usar clorofórmio. Adão caiu em sono profundo. Deus tirou-lhe uma costela e moldou uma figura: mulher.




Deus sabia que Adão não estava de acordo com a construção da mulher, por isso fê-la uma criatura bela, resplandecente, vistosa e apaixonante. E, para se vingar por Adão não ter cedido a costela, fê-la com muita língua, dois ouvidos e uma boca (duas entradas e uma saída), e muito cabelo. E, para fazer Adão se aproximar dela, fê-la de corpo liso, sem pêlo; assim seria alvo do frio e Adão abraçá-la-ia para a aquecer com o seu corpo. Fê-la frágil para que Adão a protegesse.
E como Adão tinha esgotado por completo a paciência de Deus e, porque o osso trabalhado não fora cedido, mas sim tirado contra a vontade do dono, Ele não conseguiu uma alma perfeita para a mulher. Também, como o resto do barro usado na feitura de Adão tinha acabado só no molde do corpo da mulher e não havia mais para fazer a cabeça, para não suspender o projecto, Deus amassou um pouco de argila com a caca dos répteis e moldou uma cabeça para a mulher. Quando ia soprar-lhe o fôlego da vida, um pouco de pó entrou-lhe pelas narinas e espirrou. Em vez de dar à mulher um sopro da vida, deu-lhe um espirro de vida, por isso as mulheres são explosivas.
Não tendo feito mais nada o dia todo, Deus fechou a sessão.
Este relatório foi autenticado por mim que o elaborei.

Arcanjo Lúcifer


Quando Adão acordou, viu a mulher ao pé de si, a sorrir. Admirou-lhe muito aquele belo sorriso, sentia-se cativado por ele, mas ela era uma coisa não desejada, não iria abaixar-se diante de Deus dizendo-lhe que gostava do sorriso da fêmea. Não, isso nunca!
Adão passou semanas a tentar evitar a mulher, mas em vão. Ela sabia bem como localizá-lo.
Um dia, andava com ela no encalço, Diabos, pensou, esta mulher é difícil pra burro. Nem tempo para peidar me dá. Está a toda hora atrás de mim, a falar, a falar, a falar, sempre a falar. Acho que o pai não lhe regulou muito bem o aparelho, parece um rádio avariado e chateia-me com os seus solilóquios.
Enquanto Adão pensava assim, Eva estava na sua, pensando: O pai cometeu um erro ao fazer deste bruto o senhor do Paraíso. Se até a mim, que sou igual, não liga, que será com estes pobres animais? Nem sei por que razão continuo atrás dele... Bem, tenho de continuar, é ele o senhor e eu não sou tola ao ponto de não querer um.
Adão virava-se de vez em quando e dirigia-lhe um sorriso falso e amarelo. Ela já começava a ficara farto deles, e ele da tanta insistência da parte dela em segui-lo. Depois de um cento de tentativas de despistagem sem resultado, Adão arriscou uma outra. Subiu a uma árvore com folhas espessas e muito grandes. Ela não subiu, Deus não a fez trepadora, ficou de pé olhando para Adão totalmente empenhado em subir. Notara muito bem que Adão tinha poucos olhos para si, mas decidira fazer valer a sua reputação de mulher; enquanto não o tivesse nas mãos, não desistiria. Sentou-se debaixo da árvore, horas e horas, esperando que aquele bruto descesse, mas em vão. Chateada, jurou que a partir daquele dia, quer Adão gostasse quer não, nunca mais chegaria pontualmente a um encontro. E nunca mais lhe mostraria que o queria ver. E nunca mais ele saberia se lhe provocava anseio. E nunca mais... E nunca mais... E infinidade de nunca mais.
Adão, lá em cima, depois de estar bem escondido pela folhagem, passou de um ramo para outro, até atingir a extremidade da árvore, e dali passou para a árvore vizinha. E assim, de árvore em árvore, afastou-se da mulher. O homem possuía artifícios. Muito longe, desceu. Foi esconder-se numa caverna. Pegou no telemóvel e marcou uns números.
– Secretaria Geral do Paraíso. Bom dia! – perguntei no outro extremo do fio. [Fio? Não havia fio nenhum, telemóveis não levam fios.]
– Não te interessa saber – disse Adão com brutaleza.
– Que queres? – inquiri, tentando ser educado.
– Falar com Ele – respondeu Adão.
– Tens audiência marcada? Não tens, deves marcar. Motivo da visita?
– Qual visita, qual porcaria! Só quero falar com Ele, faz a merda da conexão e diz-Lhe que estou na linha.
– Olha que corro o risco de ser despedido – expliquei, tentando ser profissional. – Mas quem porra és tu? – rematei, irritado com a linguagem dele. Ainda não sabia quem era.
– Sou Adão Júnior – identificou-se.
– Oh! Mil desculpas, Vossa Alteza, pensei que fosse mais um desses répteis que ligam constantemente para cá a reclamar que estão fartos de rastejar.
– Olha bem, meu... quem és tu?
– Arcanjo Lúcifer, o Arcanjo dos Arcanjos e dos Anjos, secretário particular de Adão Sénior, vosso pai – expliquei, tentando evidenciar a minha alta posição.
– Que me importa isso? Mesmo que fosses o irmão do meu pai, se eu quisesse lambias-me o cu.
– Não faleis assim, Vossa Alteza – supliquei, azedo.
– Falo o que quero. E se não fizeres imediatamente o que quero, ponho-te em mais baixa posição que as patas desses tais répteis de que falavas.
Entre a espada e... a espada, não pude fugir de ir acordar Deus.
– Onde saíste com a ousadia de me acordar? – berrou Deus.
– Majestade, o vosso filho quer falar convosco.
– É ele que te paga o salário?
– Não, mas insultou-me muito e fez ameaças graves, Majestade – aproveitei para me queixar. – Ele anda sempre a insultar-me. Não só a mim, mas a todos os outros.
– Onde está ele? – perguntou Deus.
Fiquei contente, pensei que Deus ia raspar a Adão. Mas o filho sem pai nem mãe de Deus não fez o caso.
– Ele está ao telefone – respondi.
– Então, anjo, não deixes o meu filho pendurado. Faz a conexão. E nunca mais tornes a deixá-lo à espera. Ele é meu filho.
Cumpri o mandado, ainda mais irritado que antes.
– Alô pai!
– Adão, qual é a crise?
– É a mulher a crise. Vai dar comigo em doido. Anda sempre atrás de mim, a perseguir-me o dia inteiro, sempre a falar; e fala tanto quanto os cabelos que tem e de coisa importante tanto quanto os pêlos que não tem.
Deus riu-se e disse:
– Adão, tens de saber compreender a Eva. Ela tem muitos méritos que ainda não descobriste.
– Ah! Ela se chama Eva? Ela tem muitos defeitos que já descobri. Eu disse-Te que não precisava de um par...
– Olha, homem, todos os animais têm par. Se eu não te tivesse feito, não precisaria fazer a mulher.
– Então eu sou animal? – gritou Adão.
– O pior de todos – gritou-lhe Deus, por sua vez. – Se me tivesses dado a costela, terias tido uma boa companheira.
– Eu não quero esta mulher de merda.
– Ficas com ela. Não vou desfazê-la.
– Tu és mentiroso, disseste que eu era o senhor do Paraíso, portanto não quero cá a mulher...


– Não me insultes, Adão, a mim não, toma tento na língua – gritou Deus, superirado; no entanto, olhando para a careta triste de Adão (estava a observá-lo pelo monitor), disse: – Está bem, ganhaste, vou remodelar a mulher, pois desfazer não a desfaço.
– Remodela-a. E quanto mais cedo, melhor.
– Muito bem, vou fazê-la com menos língua, menos persistência, em suma, menos tudo.
– Com menos cabelo?
Afirmativo.
– Menos carinho?
Afirmativo.
– Fala doce?
Afirmativo.
– Menos beleza?
Afirmativo.
– Sabes, pai, que tal adiares a data da remodelação? 
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