28 de outubro de 2009

CAIM E ABEL

Um clássico da literatura religiosa, sem sombra de dúvida. Não fosse a mistificação ou a sacralização dos mitos antigos tínhamos aqui simplesmente uma alegoria ao conflito entre irmãos motivado, na maior parte das vezes, pelos próprios pais, dando mais afecto a um do que ao outro – um caso que Freud certamente analisaria (se calhar até analisou, eu cá não sei) se não estivesse muito ocupado a resolver os seus pendentes com os pais; ou então simplesmente uma imagem do choque das primeiras sociedades organizadas humanas: os nómadas (pastores) e os sedentários (agricultores); mas não, não podia ser assim tão simples, tinha que se meter um deus no meio de tudo para apimentar e apropriar-se da lenda.


Caim e Abel é tão simples (embora plurissignificativo) que passaria um bom par de tempo antes que eu voltasse a escrever sobre o tema, porém eis que me surgiu um motivo: Saramago. Não li este novo livro de Saramago ­– Caim –, nem lhe consigo imaginar o enredo, porque já me surpreendi com a sua escrita pelo menos três vezes. E nem sequer isso me poria a falar de Caim e Abel, se na equação não tivesse entrado outro elemento: a Igreja. 

E tenho aqui um Caim e um Abel: Saramago (para a Igreja certamente ele é Caim – considerando este como o obscuro) e a Igreja (o puríssimo – na versão da mesma). 

Eu sou declaradamente ateu, portanto sou a favor quando se ridiculariza as crenças e crendices da Igreja, e, como homem supostamente livre, defendo que cada um deve expor as suas ideias desde que isso não signifique fazer mal a outrem. Embora pareça que esteja com isso a dar razão à Igreja por se manifestar desagradado com Caim – o livro (e volto a salientar, não sei o que diz o livro; e só o vou ler daqui a quatro anos quando a poeira assentar, pois não gosto que as polémicas me afectem a leitura) – sentindo-se atacada por Saramago, reclamando para si o direito sobre Caim, quando na verdade essa história foi emprestada de outras lendas tal como grande parte das histórias bíblicas; a Igreja sente-se desrespeitada por Saramago porque este põe em questão uma crença milenar, criada e solidificada pela própria Igreja que durante todo esse período obrigou os outros a terem-na como certa. A bem ver, no entanto, a Igreja não tem esse direito, porque foi ela que atacou primeiro e subjugou os outros, o que Saramago fez foi apenas sacudir-se desse jugo e tentar dar a outras pessoas motivos para fazer o mesmo.

Caim cultivava um campo onde Abel levava o seu rebanho pastar, razão por que o matou. A Igreja tem um negócio que Saramago está a atacar, e está a tentar este último, e ainda continua a falar mal de Caim? Que hipocrisia.

A Igreja já devia ter percebido que não é ela a senhora, que o século de obscurantismo devia já ter acabado e que embora continue a manipular milhões de mentes ainda tem mentes que dispensam as suas opiniões; aliás, o que é a Igreja senão um grupo de pessoas que, tal como os políticos, gerem um negócio de controlar pessoas por benefício próprio? E se somos livres para escolhermos os nossos políticos (na definição de Eça de Queirós), por que não podemos escolher as nossas leituras?

Aliás, a Igreja, se não fosse precipitada, se tivesse percebido que já passou a época do Index Librorum Prohibitorum, saberia que as suas polémicas acerca da arte só freiam alguns sujeitos descerebrados que sem orientação não andam e que os restantes vão à procura, nessa arte proibida, do motivo da sua proibição, o que a veicula ainda mais. 

Que vende mais hoje do que uma polémica? Nesse sentido, deus salve a Igreja!

20 de outubro de 2009

DEUS E LÓGICA NÃO COMBINAM

Vezes e vezes recebi um mail, em todas as formas possíveis de mensagens correntes, em powerpoint, jpgs, simples textos, recomendando mandar seguir para não ter azar posteriormente. Hoje, apanhei de novo esse texto e resolvi responder.A primeira parte disto trata-se do referido texto. A segunda a minha resposta.


PRIMEIRA PARTE

Um professor ateu desafiou seus alunos com esta pergunta: – Deus fez tudo que existe? Um estudante respondeu corajosamente: – Sim, fez!– Deus fez tudo, mesmo? – Sim, professor – respondeu o jovem. O professor replicou: – Se Deus fez todas as coisas, então Deus fez o mal, pois o mal existe, e considerando-se que nossas acções são um reflexo de nós mesmos, então Deus é mal. O estudante calou-se diante de tal resposta e o professor, feliz, se vangloriava de haver provado uma vez mais que a Fé era um mito. Outro estudante levantou sua mão e disse: – Posso lhe fazer uma pergunta, professor? – Sem dúvida, – respondeu-lhe o professor. O jovem ficou de pé e perguntou: – Professor, o frio existe? – Mas que pergunta é essa? Claro que existe, você por acaso nunca sentiu frio? O rapaz respondeu: – Na verdade, professor, o frio não existe. Segundo as leis da Física, o que consideramos frio, na realidade é ausência de calor. Todo corpo ou objecto pode ser estudado quando tem ou transmite energia, mas é o calor e não o frio que faz com que tal corpo tenha ou transmita energia. O zero absoluto é a ausência total e absoluta de calor, todos os corpos ficam inertes, incapazes de reagir, mas o frio não existe. Criamos esse termo para descrever como nos sentimos quando nos falta o calor. E a escuridão, existe? – continuou, o estudante. O professor respondeu: – Mas é claro que sim. O estudante respondeu: – Novamente o senhor se engana, a escuridão tampouco existe. A escuridão é na verdade a ausência de luz. Podemos estudar a luz, mas a escuridão não. O prisma de Newton decompõe a luz branca nas várias cores de que se compõe, com seus diferentes comprimentos de onda. A escuridão não. Um simples raio de luz rasga as trevas e ilumina a superfície que a luz toca. Como se faz para determinar quão escuro está um determinado local do espaço? Apenas com base na quantidade de luz presente nesse local, não é mesmo? Escuridão é um termo que o homem criou para descrever o que acontece quando não há luz presente. Finalmente, o jovem estudante perguntou ao professor: – Diga, professor, o mal existe? Ele respondeu: – Claro que existe. Como eu disse no início da aula, vemos roubos, crimes e violência diariamente em todas as partes do mundo, essas coisas são o mal. Então o estudante respondeu: – O mal não existe, professor, ou ao menos não existe por si só. O mal é simplesmente a ausência de Deus. É, como nos casos anteriores, um termo que o homem criou para descrever essa ausência de Deus. Deus não criou o mal. Não é como a Fé ou o Amor, que existem como existe a Luz e o Calor. O mal resulta de que a humanidade não tenha Deus presente em seus corações. É como o frio que surge quando não há calor, ou a escuridão que acontece quando não há luz. Texto que circula na Internet. Autor desconhecido.




SEGUNDA PARTE

Os colegas ficaram todos embasbacados com a resposta do estudante e começavam já a pensar se não deviam converter-se para a religião do brilhante colega que conseguiu reduzir a zero as pretensões de superioridade ateia do professor. Mas antes que tivessem oportunidade de o fazer, levanta-se um outro aluno e pede licença para falar.– Primeiro, reconheceria como bom o argumento do meu colega, se não fosse falacioso. Ele falou da inexistência do frio e do escuro, dizendo que a física não os estuda, mas apenas aos seus opostos, o calor e a luz, respectivamente. Depois falou da inexistência do mal no mesmo termo, classificando o mal como um conceito físico e não moral. Não devia estabelecer uma comparação directa entre os dois conceitos, pelo menos se não for de forma alegórica. Porém aceitando a sua justificação de que o mal é a ausência de Deus prova-se a inexistência deste pelas mesmas razões pelo colega apresentadas: Nós podemos medir e classificar o mal, através de estatísticas, dizendo quantos foram mortos, quantos foram assaltados, quantos foram violentados, classificando o tipo de morte, de assalto e de violação, podemos contabilizar de diversas maneiras as consequências do que chamamos de “mal”, e durante essa contabilização, podemos incluir autocarros explodidos, cidades invadidas, inocentes mortos em nome do sempre presente Deus, podemos incluir crianças violadas, pessoas intrujadas, casamentos e famílias desfeitas em nome de Deus, podemos incluir paranóias agudas, roubos de identidade e de liberdade de pensamento em nome de Deus, de tal maneira que Deus e Mal seriam sinónimos e não opostos como o colega quis mostrar. E se, o mal é ausência de Deus, e sendo que a toda a hora constatamos a presença do mal, significa que Deus nunca está presente, pois o escuro desaparece com a luz, e se Deus equivale a luz, não poderia de forma alguma existir o mal. Além de mais, a existência do mal é uma negação à omnipresença de Deus, sendo que Deus seria um mentiroso por se ter afirmado omnipresente.



Texto de Marinho de Pina




TERCEIRA PARTE


E o colega respondeu: – [alguém?]...