8 de junho de 2009

PENSAMENTOS INEXACTOS - CAP. IV


HIPÓCRITAS OU BONS SAMARITANOS

A forma de pensar do Séc. XX é muito pesado e obscuro, mesmo para os praticantes de magia negra (bem, considerem isto como uma tentativa de fazer piada).

Mas a verdade é que quando ninguém confia em ninguém e quando é isso que toda a gente aconselha a toda a gente: não confies em ninguém… mas em mim podes (claro, em mim, porque eu só faço parte do mundo, mas sou diferente, não sou como os restantes), então vemos como as coisas não andam bem por aqui e como a hipocrisia é tão grande quão absurda.

Os hipócritas, como não há continente onde caibam, espalharam-se pelo mundo inteiro e são mais numerosos que os restantes homens, e portanto, passaram eles a ser normais. (Usei o pronome eles não porque me considero fora do grupo, mas porque quero acreditar-me fora). A sociedade está poluída de hipocrisia e a melhor forma de disfarçar é repetir sabiamente na estupidez: faz o que digo e não o que faço. É assim que se pretende dar uma orientação?

Li livros e relatos escritos desde séculos antes de Cristo, a Bíblia Sagrada, Epopeia de Gilgamés, Odisseia, Eneidas, passando pelos séculos mais recentes até ao nosso, e de facto o que percebi é que o homem só foi mudando de vestimentas e de materiais, acessórios, mas que a essência permanece igual. Entretanto, não deixa de ser relevante como até há uns séculos antes cavalheiros davam a sua palavra e mantinham-na, não deixa de ser tocante (absurdo e estúpido, é certo, para mim que tenho a mente lavrada pelo Séc. XX) Egas Mozin ter enfeitado o seu pescoço com uma corda levando a si e a família para o rei da Castela dispor da sua vida. Existiam homens de palavras e a palavra valia ouro, mas hoje, sem assinatura num papel, testemunhas, advogados e, no melhor dos casos, apenas peritos em caligrafia.

A anomalia que nos habita a mente e faz-nos o que somos foi gerada por milhões de hipócritas que passaram por este planeta antes de nós, e como nós não rejeitamos o errado, apenas o aperfeiçoamos para parecer menos errado e dispomos dele para o nosso fim, possivelmente não há em todo o universo ser algum que se bate connosco em termos de malícia e malvadez de espírito… se até mesmo a Deus conseguimos levar à palma.

Por exemplo, imaginemos um Bom Samaritano do Séc. XX.

Estava um judeu espancado, à beira da morte e, à beira da estrada. Passava por ali um palestino (vamos actualizar os factos), ao ver um homem no chão estirado e imóvel, desceu da sua carripana e aproximou-se para ver se os bandidos não tinham deixado nada que se aproveitasse. Porém, ao chegar perto reconheceu que tinha ali um judeu, povo que desde a Bíblia humilhava o seu e que agora está constantemente a criar-lhe problemas por causa da Faixa de Gaza, então enalteceu-se, o seu coração rejubilou de alegria (se não for redundante), iria ajudar um homem que sempre o desprezou, ia fazer com que ele nunca voltasse a desprezar ninguém. A cena até evocava uma criança judia a ajudar Hitler, já todo velhinho, a atravessar a estrada. Oh! Que comovente! Então, o nosso palestino volta para a sua carripana e… vrrrrum!… protch!... espalma com a roda a cabeça do judeu.

Conclusão: os samaritanos de hoje não são nada bons, mete-se com um e está-se tramado. E quem é o culpado? 

A xenofobia, apesar de diferente maneira, marca qualquer homem. O estranho sempre é visto como um ídolo, uma divindade, um demónio ou uma merda. No entanto, as sociedades, mais complexas, dão hoje mais oportunidades para de curar desse mal, mas infelizmente temos muitos séculos de segregação por cima que deixam sementes no inconsciente e que despoleta de quando em quando, variando ocasiões, o nosso senso xenófobo. 

Mas, voltando à questão inicial, quando nos fala um samaritano de hoje, rasgamos o peito para lhe entregar o coração. Temo-lhos vários, encabeçando governos, encabeçando congregações religiosas, encabeçando seitas, escrevendo livros e dando palestras que prometem mundos e fundos, temo-lhos a habitar o mesmo bairro, o nosso vizinho de lado, temo-lhos debaixo do mesmo tecto – quando temos um tecto – e temo-lhos na mesma barraca, ou a partilhar o nosso caixote… e… somo-lhos. Somos hipócritas, com medo da palavra, mas bons samaritanos.

Mas será por isso que o mundo pára? Ou que devemos nós parar se o mundo não o faz por nossa causa?
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