30 de outubro de 2006

NA TERRA DE CEGOS...

É! A minha mãe já me dizia: Quando um burro fala… não o oiças, é burro. Eu sei que ela tem razão, e por isso tento evitar ouvir os burros, principalmente porque, ao contrário do provérbio, quando um burro fala, os outros também o fazem; são como os cães quando ladram.

Bom, deu-se-me começar este texto com o parágrafo acima, porém não sei agora para o que serve isso, não sei continuá-lo e nem sei por quê comecei com ele, pois o que me inspirou a escrever isto foi um livro de Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. Ainda não li a obra em questão, foi-me recomendada por uma amiga que teve ainda a bondade e gentileza de fazer uma síntese.

Isso fez-me pensar: E nós? Não estamos nós todos cegos? A educação que recebemos, os preconceitos em que somos criados, os dogmas ditos incontestáveis, a proibição de sermos diferentes daquilo que vou chamar de Regra de Conduta do Senso Comum (conforme as diferentes culturas, é claro), todos este factores, e mais outros aqui não nomeados, não nos cegam?

Por exemplo, estamos à mesa e um de nós mete o dedo no nariz à medida que fala com a boca cheia, criticamos logo, mesmo que em silêncio. Mas por quê? Porque houve quem decidiu que isso é má educação. E por quê? Não vou tentar responder para não criar uma cadeia infindável de porquês. Mas será que meter o dedo no nariz torna-nos pior do que somos? Eu… para mim isso tudo são regras criadas pela ceguice das pessoas que se julgam com bons olhos.

Para ilustrar: Mostremos a um invisual – atenção que não digo cegos, porque cego aqui tem um sentido semântico que tende mais para o cérebro do que os olhos… Estava a dizer: mostremos a um invisual o magnífico quadro de Leonardo da Vinci, Monna Lisa (pessoalmente prefiro uma foto de Charlize Theron… e nua, hmmm) e peçamos-lhe a opinião; responder-nos-ia, porque usámos a palavra magnífico: É magnífico! Espectacular! Absoluta e perfeitamente negro.

Sim, que mais podemos esperar de uma pessoa que não vê a luz? No entanto, nem por isso ele deixaria de dar o seu parecer – o ser humano tem um toque especial para criticar. Porém será que não devemos levar em conta a sua opinião só porque ele é invisual? Eu digo que não, porque aí seríamos cegos. Mas já Camus dizia no seu livro, O Mito de Sísifo, qualquer coisa como o homem é um cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim. Porém, não demoremos a raciocinar sobre isso, proponho irmos dar um passeio à famosa Caverna de Platão (julgo que não preciso repetir aqui o conceito) e perguntemos: Afinal quem está na razão? Não estamos todos intrincados num jogo de sombras, iludidos por pessoas que se julgam terem escapado da caverna?

O modo que estou a usar para falar deste tema está a lembrar-me de uma observação de Descartes no seu Discurso do Método, sobre pessoas com espírito medíocre que preferem filosofar com princípios obscuros e que são como cegos (invisuais) que, para lutar com alguém que vê, sem ficar em desvantagem, preferem fazê-lo no escuro. De qualquer forma, avante!

A minha mãe disse-me para não ouvir os burros, mas quem são os burros isso ela não me disse. Tenho livre arbítrio e algum cérebro e devo guiar-me por eles. Entretanto, isto não é tão fácil como é pronunciável, sendo eu um cidadão desta terra de cegos.


Em princípio eu devia ouvir os chamados sábios, porque diz o ditado: Na terra de cegos que tem um olho é rei; porém, tive a infelicidade de perceber que este ditado mente de maneira descarada, pois, na verdade, na terra de cegos, todos são reis e sábios e que tem olho é louco. Imagine uma pessoa a descrever Van Gogh a cegos (nascidos cegos ou cegos por opção – aqui a palavra cego toma uma conotação embaralhada), o primeiro comentário seria: Devemos internar este desgraçado, pois já não diz coisa com coisa.

A minha mãe disse-me e bem: não oiças os burros… pois estando todo o mundo cego, quem guiará a quem?